Questões de ordem. É necessário conhecer/ler os quadrinhos antes
de assistir um filme? O não conhecimento prévio do material original prejudica
a apreciação da obra em outra mídia? As indagações não são meramente retóricas.
Fazem total sentido frente a muito bem sucedida adaptação de Deadpool
para os cinemas. Longe de integrar o primeiro time dos super-heróis, o
debochado e desbocado personagem sempre teve um status cult. Agora, vai
conhecer o céu e o inferno do mainstream.
Voltando às questões iniciais, a resposta para ambas é
“não”. Caso contrário, seria impossível assistir e apreciar na plenitude filmes
como Guerra e Paz ou Laranja Mecânica, sem antes ler os livros de Leon
Tolstoi e Anthony Burgess. Tipo estudar antes para ir bem na prova.
Resumo da ópera para esta introdução. Não, nunca li
Deadpool nos quadrinhos. Mas sim, curti o filme. Meu julgamento é apenas sobre
o que objetivamente assisti na tela, e não sobre o que supostamente possa estar
achando que vi ou gostaria de ter visto.
Com Deadpool, o filme, as adaptações dos quadrinhos para o
cinema definitivamente chegaram à pós-modernidade, aquele momento quando as
narrativas entram em crise e passam para a autorreflexão. Repensar-se a si
próprio. Houve um tempo em que as adaptações precisavam ser literais, no máximo
com algumas poucas alterações na mitologia original das personagens, (tipo o Superman
do Richard Donner em 1978, e o Homem Aranha de Sam Raimi do início dos anos 2000).
Depois veio a fase dos universos expandidos e das revisões/reinterpretações da formação
da mitologia, da qual o Batman de Christopher Nolan é o expoente máximo.
Agora, passadas as necessárias fases de maturação, e prestes a esgotar a
fórmula, chegou à fase três. A hora da diversão, de não levar-se a sério
demais. O sucesso recente dos Guardiões
da Galáxia apontou o caminho dessa reinvenção, no qual
“Deadpool” se jogou de cabeça.
Quadrinho no original inglês é “comics”. Comédia, diversão,
entretenimento. E Deadpool cumpre a missão. É divertido, sarcástico,
autorreferente ao universo das HQs, crítico ao mundo pop e muito bem humorado.
Talvez até um pouco demais em algumas sequências, chegando, por vezes, a um
nível de irreverência que beira ao exagero gratuito. Mas tudo bem, está valendo
o ingresso. É diversão para gente grande, sem esquecer os elementos de apelo ao
público teen.
Com sacadas inspiradas, diálogos espertos e cinismo em
doses generosas, o filme de Tim Miller não livra a cara de ninguém. Nem do
próprio astro protagonista Ryan Reynolds, que leva na filmografia a fracassada
(parar dizer o mínimo) adaptação Lanterna Verde. Agora, em sua nova incursão no gênero,
Reynolds finalmente tem um super-herói para chamar de seu.
Vale chamar a atenção para a ótima presença da atriz
brasileira Morena Baccarin no elenco. Com cartaz em alta na TV, onde já
participou de séries como Firefly; V; Homeland e Gotham, Morena
Baccarin dá seus primeiros passos no cinema. E tirou sorte grande com Deadpool.
A adaptação apostou na anarquia e quebrou a banca. As
fenomenais bilheterias em todo o mundo estão aí para comprovar isso. Então,
preparem-se. Vem aí Deadpool 2 com mais um estoque de piadinhas.
PS.: Não perca o encerramento dos créditos de Deadpool, OK?
(Texto originalmente publicado no portal “Movi+” em fevereiro de
2016)
Jorge Ghiorzi