Uma certa
tendência à grandeza e grandiloquência, marca registrada na quase totalidade da
obra de Christopher Nolan, está ostensivamente presente nas três horas de
duração do drama histórico Oppenheimer (Oppenheimer, 2023). A
cinebiografia do físico J. Robert Oppenheimer, que passou à História como “pai
da bomba atômica”, transita do universo quântico das partículas subatômicas até
a vastidão do globo terrestre e além. Uma viagem que coloca o espírito humano à
prova em sua eterna busca pela dominação das forças que regem a natureza. O que
Albert Einstein teorizou, Oppenheimer colocou em prática, inaugurando uma nova
Era para a humanidade.
Anos 40. Segunda
Guerra Mundial. Os alemães nazistas avançam nas pesquisas para desenvolver uma
arma nuclear. Caso fossem vitoriosos neste experimento bélico a Alemanha se
tornaria incontestavelmente invencível, e a conquista global seria um fato
inevitável. Este é o cenário que dá o ponto de partida do filme de Nolan. Os
Estados Unidos, inicialmente neutros no conflito, após o ataque japonês à Pearl
Harbor, foram induzidos a abandonar a isenção e mergulhar de cabeça na guerra que
colocava em risco a liberdade na Europa, particularmente do aliado Reino Unido.
A risco da criação
pelos alemães de uma bomba a partir da fissão nuclear acelerou a pesquisa
científica dos norte-americanos. Assim surgiu o secretíssimo Projeto Manhattan,
liderado pelo Oficial do Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos, Leslie
Groves (Matt Damon), e o físico teórico J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy).
Os cientistas e físicos mais destacados dos EUA foram convocados para se
dedicarem em tempo integral ao desenvolvimento daquela que seria a primeira
bomba atômica do mundo. Para tanto ficaram isolados por três anos em uma cidade-laboratório
especialmente construída em Los Álamos, no meio do deserto do Novo México. O
final desta história sabemos todos: a bomba atômica foi desenvolvida, mas não a
tempo de ser utilizada contra a Alemanha nazista, que assinou rendição antes,
diante das Forças Aliadas que invadiram Berlim. Mas, a Segunda Guerra
prosseguia no front asiático, especialmente com o Japão, que se recusava a
depor armas. Após um bem sucedido teste no deserto (uma sequência primorosa),
poucos dias depois as duas primeiras bombas atômicas foram lançadas sobre as
cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945.
Uma das críticas
contumazes atribuídas aos filmes de Christopher Nolan é que eles despendem
muito esforço narrativo ao tentar explicar em demasia determinadas situações
e/ou aspectos técnicos com diálogos por demais expositivos. Há em Oppenheimer
uma reversão de expectativa neste sentido. Por mais que as questões da física
quântica e nuclear sejam estranhas aos leigos – portanto, exigissem uma
abordagem mais didática -, o fato é que desta vez o realizador mostra-se mais
comedido. É inclusive econômico nas explicações científicas. Mantem-se na
exposição dos conceitos básicos, suficientes para a compreensão essencial do
espectador, que acaba conectando-se ao drama pelo o que ele tem de conflito
moral, e não pelo o que oferece em termos de ciência. Esta decisão favorece
nossa empatia com a batalha pessoal e os dramas de consciência do protagonista.
Oppenheimer opera em quatro
abordagens distintas que se alternam ao longo das já citadas três horas de
duração. Há em cena, simultaneamente, com pesos relativamente equilibrados e
linhas temporais próprias (como em Dunkirk), uma empolgante narrativa de
experimento científico, uma ágil trama de espionagem industrial, um emocionante
drama político e um comovente drama pessoal com toques de tragédia. Embalando
tudo, com muita criatividade estética, qualidade técnica e sensibilidade
artística, uma irretocável percepção de espetáculo de entretenimento que
Christopher Nolan já demonstrou em muitas oportunidades.
Isento de
posicionamento moral, Oppenheimer, o filme, reflete em essência a
incógnita que é Oppenheimer, o homem. O renomado físico era uma figura dúbia,
controversa, com viés de vaidade mal disfarçada. Oppenheimer é um sedutor
exercício de imersão sensorial e estética, que apresenta um belíssimo painel de
um período histórico conturbado, cujas consequências abriram as portas para a
Guerra Fria, que perdurou por cerca de quatro décadas.
Uma curiosidade: o
Projeto Manhattan já havia sido tema de um filme em 1989, chamado O Início
do Fim (Fat Man and Little Boy), dirigido por Roland Joffé (de Os Gritos
do Silêncio e A Missão). O papel do Oficial militar Leslie Groves,
vivido por Matt Damon no filme de Nolan, foi interpretado por Paul Newman no
filme de Joffé.
Assista ao trailer: Oppenheimer
Jorge Ghiorzi /
Membro da ACCIRS
janeladatela@gmail.com