Quando chegou aos
cinemas na virada de século e de milênio Matrix
imediatamente foi reconhecido como um ponto de virada nos filmes de ação. Nada
mais seria igual, sua influência foi definitiva em tudo que se fez depois. Produto
estimado da cultura pop, o longa foi inovador nos efeitos especiais, na
coreografia das lutas, na criação de referências cult e na incorporação da filosofia em um produto de massa. Além de
extasiar uma legião de fãs a trilogia Matrix
antecipou em uma
década a sociedade mega conectada, mergulhada no uso massivo da Internet. O
legado deixado pelo filme, portanto, é gigantesco.
Passados pouco
mais de 20 anos – quase o tempo de uma geração – chega o momento de retomar a
saga, tantas vezes adiada e, a princípio, negada pelas irmãs Lana e Lilly Wachowski,
criadoras da trilogia original. Então, é com o peso deste passado que chega às
telas este Matrix Resurrections, desta vez dirigido apenas por Lana como
um projeto solo, sem a participação de Lilly.
A nova aventura retoma a história a partir da
linha temporal deixada pelo filme anterior (Revolutions,
de 2003), ainda que vinte anos tenham se passado aqui, no nosso mundo. Neo
(Keanu Reeves) agora vive uma vida aparentemente comum sob sua identidade
original como Thomas Anderson, atuando como um famoso criador de um videogame
de sucesso, chamado... “Matrix”. Para entender as estranhas visões e percepções
que tem sentido, ele se trata com um terapeuta. Para complicar um pouco mais ainda
sua cabeça ele também conhece uma mulher (Carrie Anne-Moss) que muito se parece
com a personagem Trinity do videogame que criou. Tudo começa fazer algum
sentido para o atordoado Thomas Anderson quando encontra uma nova versão de
Morpheus, que oferece a pílula vermelha que reabre sua mente para o mundo
da Matrix.
Os três primeiros filmes
seguiram um caminho natural de expansão do universo original, mantendo a
coerência da mitologia da série. Já neste volume quatro a proposta foi
equivalente a uma versão atualizada de um programa clássico, com correções de segurança,
adaptação de sistema, incorporação de novas atribuições e soluções de “bugs” funcionais.
Matrix Resurrections praticamente abandona
as referencias místicas, religiosas e metafísicas e centra atenção apenas nos
conceitos tecnológicos, incorporando de uma vez por todas a condição de um
videogame.
O filme é autorreferente e
indulgente com a própria mitologia que construiu na trilogia original. Dá uma
zoada geral e se limita a ser – sem dramas de consciência – um produto de massa
a ser consumido por uma sociedade capitalista selvagem, que tanto criticava há
20 anos. Lana Wachowski parece querer nos dizer: “Relaxem.
Desencanem. Este não é um filme-cabeça. Apenas aproveitem a experiência”.
Isto se evidencia com a inclusão do humor em certas passagens, como aquela onde
Anderson e um executivo da companhia discutem a possibilidade – e mesmo a
necessidade - de criar uma nova versão do videogame. O papo ali era direto e
reto, pois se referia nas entrelinhas à própria gestação da sequência de Matrix que sofreu a pressão da Warner
para que o filme finalmente fosse produzido. Alguém tem lembrança de sequer ter
esboçado minimamente um sorriso com alguma sequência dos três filmes originais?
Pois em Matrix Resurrection isto
ocorre, com um mal disfarçado ar de cinismo blasé que ecoa por todo o filme.
Neo ainda encarna o heroico personagem
do “Escolhido” que surgiu para libertar a raça humana da submissão pelas máquinas.
Vale destacar, porém, que o centro narrativo e mote da nova trama criada por
Lana Wachowski desta vez é a personagem de Trinity, que assume um protagonismo
mais evidente.
Matrix Resurrection é claramente um filme de passagem, de
reformulação para uma nova saga revigorada que inevitavelmente virá (um
reboot?). Nesta retomada da história é flagrante que algo de substancial se
perdeu. Não fosse toda a bagagem e o legado que carrega, o novo Matrix por muito pouco não é apenas um
filme de aventura genérico. Não somos apresentados a nenhuma sequência
memorável, nenhuma das sequências de luta avança além do lugar comum e as
trucagens e efeitos já não surpreendem (alguém lembra do espanto que o “bullet
time” criou no final do século passado?). O filme, nesta perspectiva, é
suficientemente inteligente para não se levar excessivamente a sério.
Para o arco da história,
talvez no futuro fosse interessante uma prequel
mostrando a história do Arquiteto (criador da Matrix) e da Oráculo, e seguindo
a tradição de subtítulos com a letra R (Reload,
Revolutions e Resurrections) o título bem que poderia ser Matrix Rises.
Assista ao trailer: Matrix Resurrections
Jorge Ghiorzi
Membro da ACCIRS