quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Asteroid City: bolha de sabão

 

É bastante improvável que haja alguém que entre em uma sala de cinema passa assistir a um filme de Wes Anderson que não tenha em mente um mínimo de expectativa sobre o que vai encontrar. Não há surpresas, absolutamente. O cineasta é fiel a seu estilo, que parece esgarçar e radicalizar a cada novo trabalho. Este é o peso que Asteroid City (Asteroid city, 2023) carrega. É Wes Anderson em sua potencia máxima, para o bem ou para o mal.

Meados dos anos 50. Uma cidadezinha minúscula, no meio do deserto americano, com população de apenas 87 pessoas, famosa por ter sido, no passado distante, alvo de um meteoro que caiu na Terra. A imensa cratera formada no local, um ponto turístico, será utilizada como cenário para uma Convenção de Observadores Cósmicos Juniores que reúne estudantes pesquisadores e suas famílias. Um inesperado acontecimento cósmico muda os rumos daquele encontro.


Wes Anderson mostra esta história como um exercício de metalinguagem. Tudo começa como um programa de TV em preto & branco que mostra o processo de criação de um dramaturgo que escreve uma peça de teatro com esta história, mesclando com a encenação da própria peça como uma adaptação cinematográfica multicolorida.

A narrativa de Asteroid City é totalmente fragmentada e descontinuada, o que dificulta nossa adesão incondicional. A frieza e distanciamento das situações e personagens não facilitam nem um pouco o mergulho na história. Aliás, pelo contrário, nos afasta do envolvimento. Um dos pontos cruciais que contribuem para este afastamento é a ausência de um protagonista consistente. Em Grande Hotel Budapeste (2014), por exemplo, que apresentava uma estrutura dramática semelhante, tínhamos a figura do Monsieur Gustave, interpretado por Ralph Fiennes, que acompanhávamos com interesse, pois fazia a costura em todas as subtramas.


O isolamento da cidadezinha, que em dado momento é submetida a um processo de quarentena, nos remete a uma analogia ao período pandêmico a que fomos submetidos recentemente. Uma outra referência de Asteroid City, com seu misto de paranoia militarista, ameaças do exterior e uma bem-humorada homenagem aos filmes de ficção científica da década de 50, traz ecos de Marte Ataca, de Tim Burton.

Um fato cada vez mais evidente é que Wes Anderson está excessivamente refém de uma estética, que tem lá seu charme como estilo, como assinatura autoral, mas não avança e inibe novos olhares. Quando a construção estética é prioritária, em desfavor do ritmo, há algo de errado acontecendo. Em Asteroid City esta fragilidade do cinema de Anderson fica escancarada. A pegada retrô está lá. Assim como a criativa paleta de cores, as composições cênicas de encher os olhos, o humor nonsense, tipos bizarros, elenco recheado de estrelas. Mas o conjunto definitivamente não funciona na plenitude desta vez.

Asteroid City é lindo como uma bolha de sabão. Mas é igualmente vazio e fugaz.

Assista ao trailer: Asteroid City


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

janeladatela@gmail.com

A Era de Ouro: a música não pode parar

 

O que Donna Summer, Kiss, Gladys Knight e Village People têm em comum? A resposta é: Neil Bogart. Quem é Neil Bogart? Ele foi um executivo do mercado fonográfico, criador da Casablanca Records, apontada como a maior gravadora independente de todos os tempos, e descobridor de talentos musicais com potencial de sucesso comercial, como essa turma aí já citada e outros tantos.

Neil Bogart era um sonhador e um gênio em sua área de atuação. Ele foi um dos primeiros empresários e empreendedores do mundo do chamado show biz a entender a música popular moderna (a partir dos anos 60) como uma experiência para o público. O valor não estava apenas na música em si ou na venda de LPs. Em sua visão tratava-se de um pacote completo: discos, shows, merchandising, excursões, execução em rádios, etc. Parece óbvio hoje, mas era inovador e ousado no início dos anos 70, quando Neil Bogart “descobriu” e contratou seu primeiro nome na música: o grupo Kiss.


Falecido há 41 anos, Neil Bogart ganha uma cinebiografia em A Era de Ouro (Spinning gold, 2023), que retrata os bastidores e a trajetória da criação da gravadora Casablanca, da quase falência até o sucesso estrondoso na segunda metade dos anos 70. O legado de Bogart foi levado às telas por seu filho, Timothy Scott Bogart, roteirista e diretor do longa-metragem. Isto já dá a senha do que assistiremos nas pouco mais de duas horas de filme. A cinebiografia é 100% oficialista, chapa branca mesmo, ao apresentar os fatos, sejam eles verídicos na totalidade ou parcialmente reinterpretados, mas sempre favoráveis a seu protagonista. Ainda que este fato possa eventualmente macular o contexto histórico e a realidade dos fatos, vale ressaltar que a narrativa é muito envolvente e a trilha sonora não deixa ninguém indiferente.


A Era de Ouro é nostálgico e memorialista, com efeitos distintos na plateia, ao revelar um contraste geracional. Aqueles contemporâneos da Era Disco, quando a rainha Donna Summer comandava as pistas de dança, mergulham fundo no momento. No entanto, para os milênios da Geração Z tudo pode soar um tanto cafona e desinteressante.

O filme é uma elegia ao nome e à obra de Neil Bogart, uma espécie de aventureiro romântico em seu embate contra as gigantes que dominavam o mercado fonográfico. Neste aspecto a produção capta nossa empatia, ainda que Bogart, em certa medida possa ter sido apenas uma espécie de herói-bandido muito bem sucedido.


O passado do empresário é repleto de histórias um tanto farsescas, que só reforçam o mito. Ele foi divulgador de gravadora, dançarino, vocalista de um grupo de rock (com um único sucesso) e ator pornô (segundo consta, uma única vez). O grande John Ford já disse que quando a lenda é mais interessante que a realidade - ou maior que o fato, segundo algumas versões -, imprima-se a lenda. Timothy Scott Bogart parece ter se inspirado muito neste princípio ao recriar a história de seu pai.

Alternando episódios marcantes da trajetória de Neil Bogart com recriação de apresentações musicais dos principais artistas do casting da Casablanca Records, A Era de Ouro tem pelo menos uma sequência marcante, definidora do momento de virada de chave que determinou o sucesso da gravadora: a sessão de regravação da música I Feel Love, de Donna Summer, o futuro sucesso global que salvou a Casablanca da falência.


Neil Bogart é interpretado pelo ator e cantor Jeremy Jordan. Em 2013 Justin Timberlake chegou a assinar contrato para estrelar a futura cinebiografia. Vale lembrar que A Era de Ouro não é exatamente a primeira vez que Neil Bogart é recriado no cinema. Em 1980 a comédia A Música Não Pode Parar, uma fake biografia da criação do grupo Village People (estrelada pelos próprios integrantes), apresentava um personagem parcialmente baseado em Bogart. O filme foi uma bomba monumental tão gigante que foi a inspiração para a criação dos prêmios Framboesa de Ouro. 

Assista ao trailer: A Era de Ouro


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

janeladatela@gmail.com


quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Loucas em Apuros: da China com humor

 

Quatro amigas, descendentes de famílias de imigrantes asiáticos radicados nos EUA, embarcam em uma viagem para a China. O pretexto da viagem? Procurar a mãe biológica de uma delas, que foi adotada, ainda criança, por uma típica família americana. Ou seja, ela nunca conheceu sua terra natal, e muito menos ainda a cultura e tradições. O que temos então é uma tentativa de volta às origens, uma busca pelas raízes.

Falando assim parece uma história séria, um drama pesado. Não é verdade? Pois então, Loucas em Apuros (Joy Ride, 2023) é tudo, menos isso. O tom comédia já dá as caras na primeira sequência – e prossegue até o final -, quando as duas principais amigas da trama se conhecem, ainda garotinhas. Daquele encontro, em uma pracinha do bairro, nasceu uma amizade para o resto da vida. Pelo menos até a citada viagem, que coloca em jogo uma série de questões pessoais, reprimidas após tantos anos de convivência.


O tour chinês das mulheres tinha a princípio um propósito bem definido. O que elas não contavam era a sequência de perrengues que se sucedem, sem parar. É justamente nestas situações que elas se deparam com as diferenças culturais, que logo se manifestam através de questões de racismo, xenofobia, preconceito. Não mais das vezes praticado de forma reversa, com muita graça. Ainda que descentes de asiáticos, as mulheres são tratadas como estranhas em terra estranha, em razão da cultura ocidental que carregam.

Esta problemática é apenas o pano de fundo. O que Loucas em Apuros busca mesmo é o humor, a crítica, as piadas politicamente incorretas e as situações moderadamente escatológicas. O filme, dirigido por Adele Lim (cineasta nascida na Malásia), força a mão em diversos momentos, em busca do riso da plateia a qualquer custo, ainda que o riso por vezes possa ser constrangido. Outro ponto a destacar é a ousadia em esticar a corda do humor até os limites do que o mainstream tolera. O nome de Seth Rogen assinando a produção certamente é benéfico para assegurar a circulação mais ampla do filme.

O filme Adele Lim, com as devidas ressalvas da comparação, pode ser visto como uma versão feminina de Se Beber, Não Case. Divertido, hilário, inteligente, com forte recado em favor da emancipação feminina, Loucas em Apuros tem no elenco Stephanie Hsu, indicada como atriz coadjuvante por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo.

Assista ao trailer: Loucas em Apuros


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

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quarta-feira, 19 de julho de 2023

Barbie: uma fábula feminista

 

Lançada pela Mattel em 1959, a Barbie foi a primeira boneca a representar uma mulher adulta. Até então a indústria só produzia bonecas representando bebês, estimulando nas meninas crianças a crença de que o papel de mãe seria o único destino possível para as mulheres na vida adulta – a propósito, esta ideia é brilhantemente mostrada na criativa sequência de abertura. A chegada da Barbie foi um sucesso absoluto, uma revolução que mudou o mercado para sempre. A grande sacada viria um pouco mais adiante, quando a Mattel lançou as diversas versões da Barbie, com seus respectivos acessórios: a médica, a executiva, a jogadora de tênis, a bailarina, a top model e outras tantas. Um universo próprio foi criado e fechado em torno das Barbies, inclusive com direito a um “namorado” de ocasião, o Ken.

É exatamente neste ponto da História que inicia a estória da versão cinematográfica live-action, Barbie (Barbie, 2023), dirigida pela cult e descolada Greta Gerwig (Francis Ha, Lady Bird e Adoráveis Mulheres), com roteiro escrito em parceria com o companheiro Noah Baumbach.


O dia amanhece na Barbilândia, o mundo perfeito onde vive a bela Barbie (Margot Robbie). O sol a pino é um convite para ir à praia, curtir, rir e dançar com as amigas, as outras “Barbies”. Enquanto elas se divertem pra valer, como se não houvesse amanhã, Ken (Ryan Gosling), e os demais “Kens”, ficam fazendo poses exibicionistas para atrair a atenção das meninas. Esse era um dia normal na Barbilândia, até que o inesperado acontece. Nossa heroína Barbie descobre, para seu espanto absoluto, que algo profundamente errado não está certo, quando surgem alguns pequenos probleminhas mundanos em seu corpinho irretocável. Aconselhada pela boneca “doida” do pedaço, Barbie decide sair de Barbilândia e partir para o nosso mundo real em busca da solução para seus problemas. À tiracolo, o vaidoso Ken embarca também nessa viagem. O que se imaginava acontece: os dois mundos, com suas realidades e regras muito diferentes, colidem e o caos se instala.


A Barbie apresentada por Greta Gerwig é uma Barbie pós-moderna, como pede os tempos revisionistas atuais. Ainda que em seus primeiros momentos a personagem reproduza modelos tradicionais de comportamento, a evolução da consciência da boneca é o grande arco dramático a que o filme se propõe. O mesmo ocorrendo com Ken, que inicialmente reforça o estereótipo machista e patriarcal, até a esperada desconstrução da figura masculina.


Sim, Barbie é uma produção essencialmente feminina e feminista, com uma pegada crítica mordaz, mas sem abrir mão da leveza e do humor, em favor de uma agenda que está longe de ser panfletária. Trata-se de um grande produto da indústria – com o ônus e o bônus desta condição - mas o recado está lá, explícito na tela, para quem quiser ver. A lamentar que o público infantil, que deverá lotar as salas de cinema, não tenha ainda o alcance necessário para a compreensão plena das referências e do posicionamento político e social proposto pelo filme.

Barbie acerta em cheio na concepção visual, na estética e na dinâmica das personagens, que transforma um “mundo de boneca” em uma divertida e multicolorida aventura live-action com gostinho de sessão da tarde.

Assista ao trailer: Barbie


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

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Oppenheimer: um exercício de imersão sensorial e estética

 

Uma certa tendência à grandeza e grandiloquência, marca registrada na quase totalidade da obra de Christopher Nolan, está ostensivamente presente nas três horas de duração do drama histórico Oppenheimer (Oppenheimer, 2023). A cinebiografia do físico J. Robert Oppenheimer, que passou à História como “pai da bomba atômica”, transita do universo quântico das partículas subatômicas até a vastidão do globo terrestre e além. Uma viagem que coloca o espírito humano à prova em sua eterna busca pela dominação das forças que regem a natureza. O que Albert Einstein teorizou, Oppenheimer colocou em prática, inaugurando uma nova Era para a humanidade.

Anos 40. Segunda Guerra Mundial. Os alemães nazistas avançam nas pesquisas para desenvolver uma arma nuclear. Caso fossem vitoriosos neste experimento bélico a Alemanha se tornaria incontestavelmente invencível, e a conquista global seria um fato inevitável. Este é o cenário que dá o ponto de partida do filme de Nolan. Os Estados Unidos, inicialmente neutros no conflito, após o ataque japonês à Pearl Harbor, foram induzidos a abandonar a isenção e mergulhar de cabeça na guerra que colocava em risco a liberdade na Europa, particularmente do aliado Reino Unido.


A risco da criação pelos alemães de uma bomba a partir da fissão nuclear acelerou a pesquisa científica dos norte-americanos. Assim surgiu o secretíssimo Projeto Manhattan, liderado pelo Oficial do Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos, Leslie Groves (Matt Damon), e o físico teórico J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy). Os cientistas e físicos mais destacados dos EUA foram convocados para se dedicarem em tempo integral ao desenvolvimento daquela que seria a primeira bomba atômica do mundo. Para tanto ficaram isolados por três anos em uma cidade-laboratório especialmente construída em Los Álamos, no meio do deserto do Novo México. O final desta história sabemos todos: a bomba atômica foi desenvolvida, mas não a tempo de ser utilizada contra a Alemanha nazista, que assinou rendição antes, diante das Forças Aliadas que invadiram Berlim. Mas, a Segunda Guerra prosseguia no front asiático, especialmente com o Japão, que se recusava a depor armas. Após um bem sucedido teste no deserto (uma sequência primorosa), poucos dias depois as duas primeiras bombas atômicas foram lançadas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945.

Uma das críticas contumazes atribuídas aos filmes de Christopher Nolan é que eles despendem muito esforço narrativo ao tentar explicar em demasia determinadas situações e/ou aspectos técnicos com diálogos por demais expositivos. Há em Oppenheimer uma reversão de expectativa neste sentido. Por mais que as questões da física quântica e nuclear sejam estranhas aos leigos – portanto, exigissem uma abordagem mais didática -, o fato é que desta vez o realizador mostra-se mais comedido. É inclusive econômico nas explicações científicas. Mantem-se na exposição dos conceitos básicos, suficientes para a compreensão essencial do espectador, que acaba conectando-se ao drama pelo o que ele tem de conflito moral, e não pelo o que oferece em termos de ciência. Esta decisão favorece nossa empatia com a batalha pessoal e os dramas de consciência do protagonista.


Oppenheimer opera em quatro abordagens distintas que se alternam ao longo das já citadas três horas de duração. Há em cena, simultaneamente, com pesos relativamente equilibrados e linhas temporais próprias (como em Dunkirk), uma empolgante narrativa de experimento científico, uma ágil trama de espionagem industrial, um emocionante drama político e um comovente drama pessoal com toques de tragédia. Embalando tudo, com muita criatividade estética, qualidade técnica e sensibilidade artística, uma irretocável percepção de espetáculo de entretenimento que Christopher Nolan já demonstrou em muitas oportunidades.


Isento de posicionamento moral, Oppenheimer, o filme, reflete em essência a incógnita que é Oppenheimer, o homem. O renomado físico era uma figura dúbia, controversa, com viés de vaidade mal disfarçada. Oppenheimer é um sedutor exercício de imersão sensorial e estética, que apresenta um belíssimo painel de um período histórico conturbado, cujas consequências abriram as portas para a Guerra Fria, que perdurou por cerca de quatro décadas.

Uma curiosidade: o Projeto Manhattan já havia sido tema de um filme em 1989, chamado O Início do Fim (Fat Man and Little Boy), dirigido por Roland Joffé (de Os Gritos do Silêncio e A Missão). O papel do Oficial militar Leslie Groves, vivido por Matt Damon no filme de Nolan, foi interpretado por Paul Newman no filme de Joffé.

Assista ao trailer: Oppenheimer

 

Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

janeladatela@gmail.com


quarta-feira, 12 de julho de 2023

Missão: Impossível – Acerto de Contas – Parte Um: o auge da franquia

 

Depois de salvar as salas de cinema atraindo multidões no momento crítico de retomada da atividade na pós-pandemia, com o mega êxito Top Gun: Maverick em 2022, Tom Cruise assumiu para si uma nova missão: revitalizar os filmes de ação, sufocados pela avassaladora invasão dos universos dos super-heróis e pelo impasse criativo do gênero que se perdia em fórmulas vencidas. Então, missão dada é missão cumprida. Cruise injetou doses maciças de adrenalina na franquia Missão: Impossível, especialmente a partir dos três últimos episódios. O 7º capítulo acaba de chegar aos cinemas. Além de colocar a série em seu ápice, transforma a saga de Ethan Hunt e sua IMF (ainda longe de encerrar) em um marco do cinema de entretenimento contemporâneo, que se supera a cada novo capítulo. Algo que a franquia Indiana Jones teve todas as oportunidades para ser, mas se perdeu pelo caminho. Mas isso é outra conversa.

Missão: Impossível – Acerto de Contas – Parte Um (Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One) é o terceiro trabalho de direção de Christopher McQuarrie na franquia (os anteriores foram Nação Secreta, em 2015, e Efeito Fallout, em 2018). Seguindo o padrão da série, a equipe do IMF, formada por Ethan (Tom Cruise), Ilsa Faust (Rebecca Ferguson), Benji Dunn (Simon Pegg) e Luther Stickell (Ving Rhames), é mais uma vez convocada para entrar em cena para impedir que uma aterrorizante arma tecnológica caia em mãos erradas, o que representaria uma ameaça de âmbito global com risco para toda a humanidade. Na corrida frenética e perigosa da equipe ao redor do mundo Ethan ainda é confrontado com um inimigo misterioso e mortal, um velho conhecido do passado, com o qual tem um acerto de contar a fazer.


A trama de MI7 lida com ameaças e perigos da Inteligência Artificial, ou seja, o excesso do uso da tecnologia que está imbricada em todos os momentos e situação do nosso dia a dia cada vez mais conectado. O subtexto do filme de Christopher McQuarrie (também roteirista) traz uma crítica a este uso e submissão excessiva à tecnologia que nos controla. É possível que neste posicionamento o filme reflita um pouco do posicionamento pessoal de Tom Cruise, um crítico contumaz do streaming, por exemplo. Neste contexto, não deixa de ser emblemático que o grande MacGuffin da narrativa é uma prosaica e analógica chave, um objeto suficientemente simbólico e representativo por si só, que contrasta com a tecnologia de ponta apresentada no universo do filme.

Como qualquer MacGuffin que se preze, a tal chave troca de mão em mão, entre os vilões e mocinhos da trama. O que nos leva a uma vertiginosa viagem proposta por MI7. Do deserto do Marrocos às ruas e vielas de Roma e Veneza, de um movimentado aeroporto em Abu Dhabi às planícies geladas da Áustria. Em cada uma das etapas temos uma unidade de ação praticamente independente, como se McQuarrie propusesse pequenos minifilmes, como fossem fases de um grande videogame em evolução.


Ao longo dos sete filmes da série MI a personagem de Tom Cruise foi evoluindo e agregando novas camadas e nuances em sua personalidade. De um espião quase ingênuo, no primeiro filme dirigido por Brian De Palma em 1996, até se transformar no destemido e voluntarioso agente dos filmes mais recentes, Ethan Hunt, no entanto, preserva seus maiores valores, a lealdade com seus companheiros e sua eterna suspeita com as reais intenções dos dirigentes políticos e forças que dizem lutar pela liberdade. Diferente do realista, trágico e rancoroso agente James Bond da fase Daniel Craig, por exemplo, o Ethan Hunt de Tom Cruise segue por um caminho mais dinâmico e visceral, o tipo de herói com o qual a plateia se identifica e pelo qual torce e vibra a cada sequência. Neste aspecto, MI7 não deixa dúvida.


Para os cinéfilos há pelo menos duas referências cinematográficas saborosas e saudosistas que não podem passar em branco. Uma delas é um tributo à célebre e icônica sequência do salto de moto de Steve McQueen em Fugindo do Inferno (1963). A outra é uma homenagem ao primeiro filme da série Missão: Impossível, com uma sequência vertiginosa de um trem em alta velocidade por um túnel.


Missão: Impossível – Acerto de Contas – Parte Um é um filme de ação superlativo. Uma aventura empolgante que faz o tempo voar, sem exaustão, por suas quase 3 horas de duração. E pensar que apenas acabamos de assistir metade da história, inconclusa nesta primeira parte. A sequência e o desfecho só veremos, a princípio, em 2024. Então, que o tempo voe até lá.

Assista ao trailer: Missão: Impossível – Acerto de Contas – Parte Um


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

janeladatela@gmail.com


quarta-feira, 14 de junho de 2023

The Flash: universos em choque

 


O status de maturidade dos heróis dos quadrinhos só é alcançado quando o personagem ganha um filme solo para chamar de seu. Então, mais um integrante da DC vem se juntar a este seleto grupo. Flash, o Velocista Escarlate, foi premiado com uma aventura onde é protagonista, ainda que acompanhado por um time de coadjuvantes de peso, como Batman, por exemplo.

The Flash, dirigido pelo argentino Andy Muschietti (realizador de It – A Coisa), desde a produção gerou muita atenção dos fãs. Inicialmente pelas informações vindas dos sets, que criavam uma crescente expectativa positiva com a produção, e depois, com as informações negativas do comportamento errático do protagonista, Ezra Miller. O receio era que o filme sofresse algum tipo de cancelamento por parte dos fãs. Para sorte da Warner e DC, o movimento não se confirmou.

A base do roteiro veio da célebre HQ Ponto de Ignição (no original, Flashpoint) que essencialmente trata de um embaralhamento das linhas temporais que geram realidades alternativas, provocada imprudentemente pelo Flash. Tudo começa quando Barry Allen (Ezra Miller) descobre por acaso que poderia utilizar sua supervelocidade para viajar pelo tempo e retornar ao passado. Agindo contra os conselhos de Batman, seu parceiro na Liga, que alertou dos riscos e da impossibilidade física da alteração do passado, Flash decide voltar no tempo para evitar o assassinato da própria mãe e provar que seu pai, acusado pelo crime, é inocente. Ao fazer isso, perturba a ordem natural, mistura as linhas temporais e fica preso em uma realidade alternativa, onde o General Zod (Michael Shannon) planeja atacar e dominar o planeta Terra. Neste multiverso Flash contará com a ajuda de outras versões de si próprio e de heróis da Liga.


O tema dos universos alternativos e múltiplos tem sido um tema muito presente no cinema atual, desde as aventuras recentes do Homem-Aranha e Doutor Fantástico, até o multipremiado e oscarizado Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. O conceito da viagem do tempo e da alteração do passado já está bastante estabelecido na cultura popular, desde a Trilogia De Volta Para o Futuro (há quase 40 anos), que, a propósito, é bastante citada neste The Flash, em uma das grandes sacadas cômicas do filme.

Dolorosas perdas familiares estão na raiz da trajetória de vários heróis das HQs. Batman, Homem-Aranha e Superman são exemplos clássicos deste tipo de sina transformadora do espírito. Flash é outro personagem amargurado por este tipo de perda. É pela dor que vem o amadurecimento que marca a transição da juventude para a vida adulta. Em The Flash este aspecto está fortemente presente, inclusive como elemento catalizador da ação e das boas intenções, que nem sempre resultam nos benefícios desejados. Há sempre um aprendizado, uma lição. O alegre, brincalhão e desencanado Barry Allen encara, com muita dor, este rito de passagem que define sua trajetória.


A presença de Andy Muschietti na direção garantiu a inserção de várias referências latinas no filme. A começar pela descendência latina do herói protagonista, cuja mãe é interpretada pela espanhola Maribel Verdú (de E Sua Mãe Também e O Labirinto do Fauno). Ainda no elenco há a presença da atriz Sacha Calle, de ascendência colombiana, no papel de Supergirl. Isto sem falar nas canções mexicanas e panamenhas na trilha sonora.

O grande destaque de The Flash, no entanto, que faz a delícia dos cinéfilos, é a possibilidade de apresentar diferentes versões de personagens conhecidos e realizar o sonho de materializar alguns desejos secretos dos fãs. Um exemplo (sem spoiler): as várias versões do Superman, inclusive uma delas, muito curiosa, nunca concretizada. Num universo paralelo tudo é possível. Então, vale a brincadeira. Mas, inegavelmente a presença que mais chama atenção tem um forte componente nostálgico: Michael Keaton (o Batman de 1989) volta a vestir o uniforme do Cavaleiro das Trevas (“surpresa” que já havia sido entregue pelo trailer).


A expectativa elevada pelo primeiro protagonismo solo de Flash no cinema se mostrou um tanto exagerada. Não entrega a promessa na totalidade. The Flash, na maior parte do tempo, se mostra uma aventura que beira ao genérico. O que, em se tratando de filmes de super-herói já é algo razoável, diga-se, dado o fato de que o gênero já está em franco processo de esgotamento da fórmula e exaustão do público.


The Flash é divertido quando não se leva a sério, ainda que nem todas piadas funcionem bem. No entanto, o filme de Andy Muschietti é um importante e sólido passo no pretendido reboot do Universo DC. Após o The Batman, vem este The Flash, e fica aparentemente estabelecido que o artigo The (em inglês) deverá acompanhar os novos títulos futuros.

Assista ao trailer: The Flash


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

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