Assista ao trailer: Folhas de Outono
Jorge Ghiorzi
Membro da ACCIRS – Associação de
Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul
Contato: janeladatela@gmail.com
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O terror Mergulho Noturno (Night swim), dirigido por Bryce McGuire, se constrói a partir do medo ancestral da água, fonte de benesses para o ser humano na mesma medida oposta em que, eventualmente, é causador de tragédias climáticas. O medo provém não do que enxergarmos sobre sua superfície, mas do que poderia haver de oculto em águas profundas.
Misto de terror e suspense, o longa foi inspirado em um curta-metragem de quatro minutos realizado em 2014 pelo mesmo realizador Bryce McGuire em parceria com Rod Blackhurst (que no longa assina apenas como coroteirista). Portanto, estamos diante de uma trama estendida, que preserva o conceito original da existência de uma “piscina assassina”, mas agrega sem muita convicção uma mitologia maligna que tenta minimamente dar sentido a um enredo que se sustenta precariamente.
A trama de Mergulho Noturno segue passo a passo o formulismo dos filmes de terror mais recentes. A evolução dos recursos de computação digital resolveu muitos problemas práticos das produções. Virtualmente qualquer solução estética e visual é possível. Essa é a parte boa do processo. A face negativa é a acomodação criativa dos realizadores que costumeiramente tornam-se explícitos demais deixando pouco espaço para a imaginação dos espectadores completarem as lacunas. Tudo é entregue pronto e mastigado. A dificuldade impõe soluções criativas e artísticas, em oposição, recursos ilimitados conduzem a um impasse criativo. Este sim é o verdadeiro “Mal” dos filmes de terror das últimas duas décadas.
Assista ao trailer: Mergulho Noturno
Jorge Ghiorzi
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O final da temporada cinematográfica de 2023 e o início da temporada 2024 foi marcado pelo lançamento de duas cinebiografias de figuras ilustres da música norte-americana. O maestro e compositor Leonard Bernstein, autor das composições do musical West Side Story (adaptada para o cinema com o título de Amor Sublime Amor, no Brasil), e Priscilla Presley, ex-esposa de Elvis, chegaram aos cinemas em longas-metragens onde o único ponto comum é o universo da música. Pois as abordagens e resultados não poderiam ser mais distintos.
Maestro se apresenta como um filme de flagrantes pretensões autorais, um verdadeiro tour de force de Bradley Cooper, aqui fazendo dupla jornada como ator e diretor, em sua segunda obra como realizador. Já Priscilla, que traz na direção a assinatura de Sofia Coppola, mostra episódios do atribulado relacionamento de Priscilla e Elvis Presley, desde o primeiro encontro até o rompimento.
Há, por definição, uma sensível diferença entre os dois filmes. Maestro se apresenta menos como uma cinebiografia e mais como um perfil distanciado e interpretativo do artista, onde o papel de sua esposa ganha um genuíno papel de protagonismo (interpretado magnificamente por Carey Mulligan). Por sua vez, o filme de Sofia Coppola tem uma proposta mais, digamos, convencional, pois desenvolve a trajetória da protagonista de forma mais efetivamente biográfica, quase episódica, mas sempre com um olhar comprometido, afetuoso e compreensivo, revelador da identificação feminina e feminista.
Curiosamente, as duas obras, oriundas do universo da música, prescindem absolutamente da música para narrar suas histórias. As composições clássicas de Leonard Bernstein e os rocks irresistíveis de Elvis Presley são praticamente sonegados ao público, pois não passam de coadjuvantes com pouco tempo de tela. Em poucas e pontuais sequências marcam presença, mas longe, muito longe, de saciar a expectativa da audiência. O que, convenhamos, dado o tamanho dos artistas, é uma frustração inicial. Faz falta? Faz. Compromete a experiência? Absolutamente não.
Assista ao trailer: Maestro e Priscilla
Jorge Ghiorzi
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Os 50 anos da pioneira adaptação de quadrinhos brasileira
Neste ano de 2023 completaram-se 50 anos do lançamento do filme O Judoka, longa-metragem brasileiro que adaptou o personagem das histórias em quadrinhos para o cinema. O personagem Judoka, lançado em uma publicação mensal da EBAL (Editora Brasil-América) em 1969, foi apresentado à época como o “primeiro herói genuinamente brasileiro”. Aquele período foi marcado pela chegada às bancas de revista brasileiras dos super-heróis da Marvel, como Homem-de-Ferro, Thor, Hulk, Namor e Capitão América. Este último parece ter sido uma forte referência para o uniforme utilizado pelo Judoka. Assim como o Capitão América utiliza as cores da bandeira norte-americana, o nosso herói nacional utiliza o verde e amarelo em sua vestimenta (lembrando que as cores só eram percebidas nas capas coloridas, pois as páginas do miolo eram impressas em preto e branco).
Lançado em 1973, o filme O Judoka, dirigido por Marcelo Ramos Motta, possui inegável valor histórico para a produção cinematográfica brasileira, seja pelo ineditismo e ousadia da proposta, seja pelo mito que se criou em torno do longa-metragem. Naquele período inicial dos anos 70 as adaptações de histórias em quadrinhos eram desconsideradas pela indústria. O primeiro movimento realmente efetivo, com a força dos grandes estúdios de Hollywood, foi a adaptação de Superman, dirigida por Richard Donner, em 1978. O êxito da produção despertou o interesse e alavancou uma série de outras produções baseadas nas HQs, até chegarmos ao domínio absoluto dos blockbusters da Marvel e DC que tomou conta das salas de cinema na virada do século e perdura até hoje.
Portanto, dentro deste cenário, O Judoka, produzido cinco anos antes de Superman, foi precursor e visionário, ainda que involuntário e aleatório, devido à falta de continuidade e ao absoluto fracasso de bilheteria da produção. O filme ficou em cartaz apenas uma semana no Rio de Janeiro, onde foi produzido, As poucas cópias existentes (consta que eram apenas 7 ou 8) foram posteriormente exibidas, por alguns dias, nas maiores capitais do país: São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Salvador. Após este breve período de exibição o filme saiu completamente de circulação, entrou no limbo e sumiu sem deixar vestígio. A ponto de muita gente duvidar que o filme um dia realmente existiu, que tudo havia sido um delírio coletivo, particularmente dos fãs da revista.
Uma lenda se formou em torno da produção, mas efetivamente o filme existiu. Algumas pessoas diretamente envolvidas ainda estão por aí para confirmar. O Judoka foi estrelado por Pedro Aguinaga, que à época detinha o título de “homem mais bonito do Brasil”, após vencer concurso promovido pelo programa de Flávio Cavalcanti. Figura bastante conhecida no jet set carioca, Pedrinho Aguinaga (como era chamado) chegou a atuar posteriormente com alguma regularidade no cinema brasileiro, em filmes como Os Trapalhões na Guerra dos Planetas e algumas produções de Neville D’Almeida: Rio Babilônia, Matou a Família e foi ao Cinema e Navalha na Carne.
O par romântico de Aguinaga em O Judoka foi interpretado pela atriz Elizângela (recentemente falecida) estrela em ascensão das telenovelas da Globo na época. Quando o filme foi lançado ela estava no elenco da novela Cavalo de Aço. Outro nome de destaque do elenco é Marcus Alvisi (como um dos vilões da história), que posteriormente fez carreira como professor de interpretação e diretor teatral.
A realização do longa-metragem foi a primeira e única experiência de direção de Marcelo Ramos Motta, uma figura um tanto misteriosa e enigmática do cinema nacional. Sua vida certamente daria um filme, como se diz usualmente para personagens que nos fascinam. O pouco que se sabe da trajetória de Marcelo se parece por demais com a biografia de um personagem de ficção. Não existem mais do que meia dúzia de fotos com o registro da imagem do realizador. Curiosamente, uma delas é justamente um lobby card de divulgação de O Judoka, onde ele aparece orientando Pedrinho Aguinaga na coreografia de uma luta.
Nascido no Rio de Janeiro, na adolescência Marcelo falava fluentemente o inglês, sem sotaque, algo um tanto raro nos anos 50. Posteriormente morou por vários anos nos Estados Unidos. Por lá escreveu alguns contos, todos no gênero da ficção científica, e chegou ainda a desenvolver dois roteiros para o programa General Motors Theatre, uma série dramática de antologia da televisão canadense (ambos também de ficção científica). A obra em inglês de Marcelo Ramos Motta (contos e roteiros) foram publicadas em livro por uma pequena editora norte-americana.
Especula-se que o propósito de Marcelo Ramos Motta ao realizar O Judoka (um personagem de sucesso naquele momento) era faturar uma boa bilheteria para futuramente utilizar os lucros para seus projetos relacionados à expansão das ordens místicas por todo o Brasil. O cinema propriamente nunca foi o interesse principal de Marcelo, mas um meio para angariar recursos. Porém, o projeto naufragou nas bilheterias. Jamais recuperou o investimento, inclusive deixou dívidas que o amarguraram pelo restante da vida. Marcelo Ramos Motta morreu em 1987, aos 56 anos. Não deixou herdeiros. Por esta razão, seus direitos autorais das canções foram repassados para as filhas de Raul Seixas. Uma informação equivocada que circula é de que Marcelo também teria dirigido A Estranha Hospedaria dos Prazeres (1976) em parceria com José Mojica Marins. Trata-se de um homônimo, que assina apenas como Marcelo Motta.
Jorge Ghiorzi
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O ano cinematográfico de 2023 encerra com uma clara sinalização de esgotamento dos filmes de super-heróis, explorados até a última gota pela Marvel e DC por duas décadas. Uma série de fracassos e decepções ao longo ano propiciou uma sensível oxigenação do mercado exibidor, o que permitiu que a atenção do público fosse parcialmente direcionada às produções do que, na falta de termo mais adequado, poderíamos chamar de “cinema adulto” (com a devida ressalva).
O resultado efetivo deste movimento foi a maior circulação de produções internacionais (off-Hollywood) para além dos circuitos das plataformas de streaming. Ainda que timidamente, muitas destas produções foram efetivamente lançadas em Cinemas, tanto nas salas de Arte quanto nos grandes circuitos dos shopping centers.
Esta diversidade está representada na pluralidade das nacionalidades dos filmes desta lista com os destaques do ano: 3 norte-americanos, 2 brasileiros, 1 alemão, 1 japonês, 1 italiano, 1 francês e 1 sul-coreano.
Melhores Filmes de 2023 (ordem aleatória)
01 – AFIRE – Direção: Christian Petzold
02 – MONSTER – Direção: Kore-eda Hirokazu
03 – ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES
– Direção: Martin Scorsese
04 – RETRATOS FANTASMAS –
Direção: Kleber Mendonça Filho
05 – AS OITO MONTANHAS – Direção:
Felix van Groeningen e Charlotte Vandermeersch
06 – RESISTÊNCIA – Direção:
Gareth Edwards
07 – OPPENHEIMER – Direção: Christopher Nolan
08 – ANATOMIA DE UMA QUEDA –
Direção: Justine Triet
09 – PEDÁGIO – Direção: Carolina
Markowicz
10 – DECISÃO DE PARTIR – Direção: Park Chan-Wook
Jorge Ghiorzi
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por Leila Silveira
Neste
momento onde todos filmes parecem prontos para serem mastigáveis, assisto
Ferrolho. Um filme para assistir com atenção, qualquer piscada pode deixar
passar a percepção, que não é dada de pronto.
O diretor, Alexandre Derlam, mergulhou nos sentidos do personagem, mostrando que é possível extravasar sem palavras e arrepiar no vazio, nas distâncias, no âmago do debate interior.
Para
quê palavras se tem o olhar, beirando o pedido de socorro de quem assiste?
Cinema arte, quase poético, com boa atuação do ator Ângelo Sérgio, que parece arrancar da gente, as palavras que não são pronunciadas. A temática do filme é sobre ausências? Ou demência? Ou seriam todas as modernas questões do ser humano, que descobre ser absolutamente solitário, em seus temas mais fundamentais, como pensar, lembrar e a eterna necessidade de ser amado.
A trilha, bem conduzida do Marcelo Corsetti somado com a atuação de Ângelo Sérgio, (ele que já tinha despertado nossa atenção em Railander - outro curta de Derlam de 2018), enfim o conjunto da obra, nos mostra que o diretor está buscando outros desafios na sua carreira.
É preciso destacar as locações, escolhidas com apuro e a fotografia, que dá o distanciamento na medida. O filme é bem sucedido, fazendo a junção, na trama, do exterior com o interior do personagem.
Propositalmente quero evidenciar preciosa contribuição: Bebeto Alves. Um universo inteiro de emoção e parceria com Alexandre Derlam e equipe, amigos desde muito, trocas desde sempre. Ressaltar sua obra imensa, é chover no molhado, falar que a sua participação nos vocais foi justamente em um dos seus últimos trabalhos, remete ao eterno do cinema. Sempre descobrindo, sempre misturando as artes, (no presente, porque Bebeto se faz presente). Afinal seu legado musical segue, instigando e inspirando.
A história de Ferrolho é introspectiva e enigmática, despertando o imaginário de quem assiste. Mas pensando bem, quem consegue decifrar o ser humano?
Leila Silveira
Produtora Cultural, atriz, diretora de teatro, roteirista, pesquisadora do audiovisual
Resistência (The Creator, 2023), de Gareth Edwards (de Rogue One e Godzilla, de 2014) é mais uma produção que tem a IA como tema principal. No caso, não pelo o que ela possibilita de benefícios quase ilimitados, mas sim por seus efeitos negativos e danosos a longo prazo. O filme explora, de maneira dramática, as perigosas consequências que a utilização massiva desta tecnologia pode causar nos destinos da civilização.
Assista ao trailer: Resistência
Jorge Ghiorzi
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