quarta-feira, 14 de junho de 2023

The Flash: universos em choque

 


O status de maturidade dos heróis dos quadrinhos só é alcançado quando o personagem ganha um filme solo para chamar de seu. Então, mais um integrante da DC vem se juntar a este seleto grupo. Flash, o Velocista Escarlate, foi premiado com uma aventura onde é protagonista, ainda que acompanhado por um time de coadjuvantes de peso, como Batman, por exemplo.

The Flash, dirigido pelo argentino Andy Muschietti (realizador de It – A Coisa), desde a produção gerou muita atenção dos fãs. Inicialmente pelas informações vindas dos sets, que criavam uma crescente expectativa positiva com a produção, e depois, com as informações negativas do comportamento errático do protagonista, Ezra Miller. O receio era que o filme sofresse algum tipo de cancelamento por parte dos fãs. Para sorte da Warner e DC, o movimento não se confirmou.

A base do roteiro veio da célebre HQ Ponto de Ignição (no original, Flashpoint) que essencialmente trata de um embaralhamento das linhas temporais que geram realidades alternativas, provocada imprudentemente pelo Flash. Tudo começa quando Barry Allen (Ezra Miller) descobre por acaso que poderia utilizar sua supervelocidade para viajar pelo tempo e retornar ao passado. Agindo contra os conselhos de Batman, seu parceiro na Liga, que alertou dos riscos e da impossibilidade física da alteração do passado, Flash decide voltar no tempo para evitar o assassinato da própria mãe e provar que seu pai, acusado pelo crime, é inocente. Ao fazer isso, perturba a ordem natural, mistura as linhas temporais e fica preso em uma realidade alternativa, onde o General Zod (Michael Shannon) planeja atacar e dominar o planeta Terra. Neste multiverso Flash contará com a ajuda de outras versões de si próprio e de heróis da Liga.


O tema dos universos alternativos e múltiplos tem sido um tema muito presente no cinema atual, desde as aventuras recentes do Homem-Aranha e Doutor Fantástico, até o multipremiado e oscarizado Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. O conceito da viagem do tempo e da alteração do passado já está bastante estabelecido na cultura popular, desde a Trilogia De Volta Para o Futuro (há quase 40 anos), que, a propósito, é bastante citada neste The Flash, em uma das grandes sacadas cômicas do filme.

Dolorosas perdas familiares estão na raiz da trajetória de vários heróis das HQs. Batman, Homem-Aranha e Superman são exemplos clássicos deste tipo de sina transformadora do espírito. Flash é outro personagem amargurado por este tipo de perda. É pela dor que vem o amadurecimento que marca a transição da juventude para a vida adulta. Em The Flash este aspecto está fortemente presente, inclusive como elemento catalizador da ação e das boas intenções, que nem sempre resultam nos benefícios desejados. Há sempre um aprendizado, uma lição. O alegre, brincalhão e desencanado Barry Allen encara, com muita dor, este rito de passagem que define sua trajetória.


A presença de Andy Muschietti na direção garantiu a inserção de várias referências latinas no filme. A começar pela descendência latina do herói protagonista, cuja mãe é interpretada pela espanhola Maribel Verdú (de E Sua Mãe Também e O Labirinto do Fauno). Ainda no elenco há a presença da atriz Sacha Calle, de ascendência colombiana, no papel de Supergirl. Isto sem falar nas canções mexicanas e panamenhas na trilha sonora.

O grande destaque de The Flash, no entanto, que faz a delícia dos cinéfilos, é a possibilidade de apresentar diferentes versões de personagens conhecidos e realizar o sonho de materializar alguns desejos secretos dos fãs. Um exemplo (sem spoiler): as várias versões do Superman, inclusive uma delas, muito curiosa, nunca concretizada. Num universo paralelo tudo é possível. Então, vale a brincadeira. Mas, inegavelmente a presença que mais chama atenção tem um forte componente nostálgico: Michael Keaton (o Batman de 1989) volta a vestir o uniforme do Cavaleiro das Trevas (“surpresa” que já havia sido entregue pelo trailer).


A expectativa elevada pelo primeiro protagonismo solo de Flash no cinema se mostrou um tanto exagerada. Não entrega a promessa na totalidade. The Flash, na maior parte do tempo, se mostra uma aventura que beira ao genérico. O que, em se tratando de filmes de super-herói já é algo razoável, diga-se, dado o fato de que o gênero já está em franco processo de esgotamento da fórmula e exaustão do público.


The Flash é divertido quando não se leva a sério, ainda que nem todas piadas funcionem bem. No entanto, o filme de Andy Muschietti é um importante e sólido passo no pretendido reboot do Universo DC. Após o The Batman, vem este The Flash, e fica aparentemente estabelecido que o artigo The (em inglês) deverá acompanhar os novos títulos futuros.

Assista ao trailer: The Flash


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

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quarta-feira, 10 de maio de 2023

Mafia Mamma – De Repente Criminosa: poderosa chefona


A presença feminina, usualmente relegada ao segundo plano, quando muito, em produções que tem o universo mafioso como tema, ganha protagonismo absoluto na comédia Mafia Mamma – De Repente Criminosa (Mafia Mamma), estrelada por Toni Collette, sob direção de Catherine Hardwicke (de Aos Treze, Crepúsculo e A Garota da Capa Vermelha).

Kristin (Collette) é uma típica dona de casa, mãe e esposa de uma família suburbana nos Estados Unidos. Certo dia um telefonema vira sua vida pelo avesso. Descobre que seu avô faleceu na Itália e recebe uma convocação, quase intimação, para comparecer ao funeral e tratar de assuntos familiares. Lá descobre que herdou um império da máfia que está em conflito com uma famiglia adversária e ela, a inocente dona de casa, foi escolhida para ser a nova chefona da família, a capo di tutti capi.

Personagens inocentes lançados em situações inesperadas é um tema clássico e recorrente no cinema, especialmente em comédias. De imediato podemos lembrar do maravilhoso Muito Além do Jardim, onde o simplório jardineiro interpretado por Peter Sellers chega até aos altos escalões da Casa Branca como conselheiro, por conta de uma sucessão de mal entendidos, felizes coincidências, instinto de sobrevivência e muita sorte.


Uma referência permanente que pontua Mafia Mamma é o clássico dos clássicos, O Poderoso Chefão de Francis Coppola. Seja por citações literais e metalinguísticas ao nome do filme (que a Kristin de Toni Collete afirma nunca ter assistido), seja por referências estéticas como a presença de laranjas (que sempre prenunciam a morte nos filmes de Coppola) ou pela reprodução da cena da porta fechando no momento que o novo Don (no caso, Donna) recebe a reverência do beija-mão de seus fiéis seguidores. Uma outra ponte possível entre Mafia Mamma e O Poderoso Chefão, é um espelhamento entre Kristin e Michael Corleone. Ambos os mais improváveis herdeiros de um império mafioso, no entanto, por um golpe do destino foram os escolhidos para liderar os rumos da famiglia em um momento crítico. No mais, param aí as referências. Os filmes percorrem caminhos completamente opostos: onde um é tragédia e dor, o outro é comédia e diversão.


A trajetória da dona de casa, com um casamento infeliz, que parte para “novas aventuras” está muito bem representada pelo arco da personagem Kristin, a poderosa chefona. Ao romper com seu passado acomodado e submisso ela descobre um novo propósito na vida. Na trama, de forte viés feminino, os homens ocupam uma de duas possibilidades: ou são babacas ou são tóxicos. Quando não sendo os dois ao mesmo tempo.

A mensagem das mulheres no poder, no comando, vem embalada em uma comédia muito bem construída e, acima de tudo, divertida. O saldo final é solidamente positivo graças ao talento indiscutível de Toni Collette, uma das atrizes mais versáteis e competentes da sua geração. Ela consegue brilhar em qualquer gênero: drama, comédia ou horror. Contribui muito para o alto astral de Mafia Mamma o elenco de coadjuvantes, todos ótimos e admiráveis. O único ponto levemente dissonante, curiosamente, é o outro grande nome da produção, a italiana Monica Bellucci. Sua personagem tem pouco a acrescentar a trama (apesar da expectativa que se constrói), é dispensável, nunca diz a que veio e parece ter sido interpretada no piloto automático.


A própria Toni Collette é uma das produtoras de Mafia Mamma – De Repente Criminosa, e, tendo em vista o bom resultado, não seria nenhuma surpresa se estivermos diante do nascimento de uma nova franquia de filmes estrelados pela poderosa chefona. Sim, Collette poderá ter uma série para chamar de sua.

Assista ao trailer: Mafia Mamma – De Repente Criminosa


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

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quarta-feira, 19 de abril de 2023

A Morte do Demônio – A Ascensão: banho de sangue

 


Quando Sam Raimi surgiu para o mundo com a trilogia Morte do Demônio / Evil Dead, era um criativo cineasta em início de carreira, sem compromissos com a grande indústria, que ainda podia ousar e experimentar, sem fórmulas pré-estabelecidas. Na medida em que conquistava um lugar ao sol em Hollywood, Sam Raimi foi pouco a pouco perdendo o vigor, se acomodando ao modelo industrial. Perdeu parcialmente a autonomia e a marca autoral, na razão inversa do crescimento da conta bancária. Aquela explosão de criatividade do primeiro filme da série, no Brasil batizado como Uma Noite Alucinante (nada mais anos 80 do que este título), foi se perdendo pouco a pouco. 

A inusitada mistura de terror, humor pastelão (do nível de Os Três Patetas) e generosas doses de nonsense, que marcaram fortemente os três filmes originais, jamais se repetiram. Nem na retomada da franquia A Morte do Demônio, de 2013, dirigida pelo uruguaio Fede Alvarez, muito menos com este legítimo gore de 2023, A Morte do Demônio: A Ascensão (Evil Dead Rise), escrito e realizado por Lee Cronin (de The Hole in the Ground), com produção executiva dos criadores originais, Sam Raimi e Bruce Campbell (ator protagonista dos três primeiros filmes). Sai de cena o humor, restando apenas o terror, o livro dos mortos, muito sangue, a motosserra e a marca Evil Dead / A Morte do Demônio.



A mudança é também de cenário. A ação deixa para trás uma isolada cabana nos bosques do Tennessee e se transfere para um pequeno apartamento familiar em um prédio residencial em Los Angeles. A família em questão é formada por uma mãe, recém separada do marido, e seus três filhos (dois adolescentes e uma jovem garota). Certo dia a irmã da mãe chega para visitar a família, mas a tranquilidade daquele encontro familiar é interrompida quando encontram um tal livro sobrenatural que despertam forças malignas adormecidas. 

A Morte do Demônio: A Ascensão é objetivo e direto em sua proposta de submeter a plateia a um banho de sangue sem trégua. É papo reto, sem meias palavras. Após um rápido prólogo e também uma rápida apresentação dos personagens centrais da família, somos submetidos a cerca de 90 minutos ininterruptos, sem descanso, de muito sangue, cenas de horror gráfico e vísceras em profusão. Com direito ainda a uma sequência no elevador que faz uma homenagem explícita à O Iluminado de Stanley Kubrick.


Além desta manifesta intenção de privilegiar em primeiro lugar o horror no espectador, o filme de Lee Cronin apresenta ainda um subtexto de caráter feminista. Não apenas por apresentar a clássica personagem da “final girl”, a personagem feminina que salva o dia (no caso, a noite). O foco em questão aqui é a maternidade. A mãe que protege a cria acima de tudo, sob qualquer ameaça. A personagem da tia que visita a família está grávida (aqui não há nenhum spoiler, este fato já é apresentado na abertura). O instinto materno, ainda prematuro, se manifesta bravamente quando o Mal ronda aquele apartamento. Aqui uma outra referência parece inspirar o roteiro: a tenente Ripley de Aliens – O Resgate.


A Morte do Demônio: A Ascensão no geral entrega exatamente o que promete: sustos e pavor em dose cavalares. Certamente estamos diante de uma produção que pouco ou nada lembra o espírito anarquista dos títulos anteriores da série. Ao apontar claramente novos caminhos para expansão da mitologia do Livro dos Mortos, que ainda deverá ter muitas reencarnações pela frente, Sam Raimi fecha as portas do passado e mira novos desafios para manter viva uma ideia promissora que surgiu no início dos anos 80.

Assista ao trailer: A Morte do Demônio: A Ascensão


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

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Os Três Mosqueteiros - D’Artagnan: tudo pelo reino



O romance histórico do francês Alexandre Dumas, Os Três Mosqueteiros (1844), é uma das histórias clássicas mais adaptadas pelo cinema, a ponto de estabelecer um gênero cinematográfico em si, o “capa-e-espada”. Desde os filmes mudos, passando por desenhos animados, comédias e musicais, as aventuras de Athos, Porthos, Aramis e D’Artagnan já ganharam muitas versões, interpretações e releituras. Às vésperas de completar 280 anos o clássico de Alexandre Dumas ganha mais uma versão, que chega às telas como uma das adaptações mais fiéis da obra original, produzida na França, com cenários franceses, elenco francês e diretor francês. Ou seja, uma autêntica produção com “lugar de fala”, legitimada pela origem de todos os envolvidos.

Dirigido por Martin Bourboulon (da comédia Relacionamento à Francesa e do drama biográfico Eiffel) Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan (Les trois mousquetaires: D’Artagnan), na verdade é a primeira parte de um programa duplo. A segunda parte, Os Três Mosqueteiros: Milady, será lançada no final do ano.


Herói improvável, D’Artagnan (François Civil) assume o protagonismo involuntário da história ao se apresentar como o homem certo, na hora certa. Recém chegado à Paris, vindo da Gasconha (sul da França) com a ambição de integrar o pequeno exército de mosqueteiros, servidores leais do rei Luis XIII (Louis Garrel), o jovem e impetuoso D’Artagnan se vê de imediato mergulhado no meio de ardiloso plano para derrubar o reino. Aquele era um período de intensa disputa política que opõe duas nações, França e Inglaterra, e duas religiões, Católicos e Protestantes. A trama tem como vilã a sedutora Milady de Winter, interpretada por Eva Green, que parece talhada para papéis desta natureza, e ganhará ainda mais destaque no segundo filme da série.

O maquiavélico Cardeal de Richelieu, em conluio com Milady, articula um complô para desacreditar a rainha, revelando um caso de adultério que abalaria o reino. Mas, os Mosqueteiros entram em ação cena, salvam a pele da rainha e garantem a unidade do abalado reino do rei Luis XIII. A trama ganha contornos de suspense e emoção, que a aproximam de uma investigação policial que sustenta as duas horas desta primeira parte da narrativa.


As dinâmicas sequências de ação e lutas são, no mais das vezes, empolgantes e vigorosas. Duelos de espada aparecem em filmes desde os primórdios do cinema, mas, é fato, pouco evoluíram em termos de coreografia e encenação ao longo dos últimos 100 anos. Neste aspecto há que se considerar que neste Os Três Mosqueteiros há algo de novo que merece ser destacado. Não exatamente na coreografia, mas na forma de gravar as lutas, quase sempre captadas com câmera baixa em leve contra-plongée (de baixo para cima) e, o que faz toda diferença para transmitir uma sensação de imersão e realismo (!), são mostradas em engenhosos planos-sequência (olha aí John Wick fazendo escola).


Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan tem o mérito de fazer a releitura de um clássico, respeitando sua origem, sem, no entanto, abrir mão de uma narrativa que busca o ritmo de uma boa aventura que faça sentido às plateias atuais. Ponto negativo: o filme certamente sofrerá um efeito de frustração pela falta de desfecho, como Kill Bill, por exemplo, por ser dividido em duas partes lançadas com vários meses de intervalo. Porém, com uma agravante, fruto do nosso tempo. O ritmo ágil e descartável com que o audiovisual é consumido nos dias que correm, a primeira parte deste Os Três Mosqueteiros poderá parecer velha e antiga demais (talvez até mesmo esquecida) quando a segunda parte chegar aos cinemas no final do ano.

Assista ao trailer: Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

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quarta-feira, 5 de abril de 2023

Air - A História Por Trás do Logo: parceria de sucesso

 


O primeiro encontro de Michael Jordan com o cinema ocorreu há 27 anos. O colega de cena do maior jogador de basquete de todos os tempos foi ninguém menos do que Pernalonga, na animação Space Jam: O Jogo do Século. Dois anos depois Jordan fez uma pequena participação em Jogada Decisiva, de Spike Lee, que se passa no mundo do basquetebol. Hoje aposentado das quadras, empresário bilionário, o atleta volta às telas. O retorno não é em pessoa, mas como personagem real retratado em um drama que recria, com toques de ficção, um dos momentos mais emblemáticos do início da sua carreira: a vitoriosa parceria com a Nike.

Air – A História Por Trás do Logo (Air), dirigido por Ben Affleck, revela a incrível história dos bastidores que antecederam a parceria revolucionária entre um então novato Michael Jordan e a também novata e incipiente divisão de basquete da Nike. Naquele tempo, início dos anos 80, a famosa marca de artigos esportivos era apenas uma postulante ao podium dos líderes do setor. A Adidas e a Converse dominavam o mercado A grande sacada da Nike, consolidada em 1984, foi apostar em um jovem talento do basquete e jogar todas as fichas em uma arriscada jogada única. O resto é história. A parceria de Michael Jordan com a Nike revolucionou o mundo dos esportes e da cultura contemporânea com o lançamento da marca de tênis Air Jordan.


Quem apostou na ideia, e a perseguiu como um sonho intuitivo, foi um vendedor, Sonny Vaccaro (Matt Damon), responsável pela divisão de Basquete da Nike, empresa que era conhecida apenas pelos praticantes de corrida. Primeiramente precisou convencer internamente que sua visão estava correta, em especial persuadir o dono da empresa, Phil Knight (Ben Affleck). Depois, convencer a família de Michael Jordan do projeto inovador da Nike. O atleta estava inclinado a fechar contrato com a Adidas, mas então entra em cena a mãe de Jordan (Viola Davis), que sempre soube o imenso valor do talento de seu filho dentro e fora das quadras.

A empreitada do funcionário da Nike para obter a todo custo a atenção de Jordan e sua família passa por uma série de obstáculos (apresentados de maneira simplista) e o roteiro doura um tanto a pílula, abusando de personagens bem intencionados. Sabemos, claro, que não é exatamente assim que ocorre no ambiente corporativo dos tubarões predadores dos grandes negócios.


Air – A História Por Trás do Logo faz um justo e merecido tributo a um dos maiores atletas da história, mas traz um ranço típico de filmes biográficos “chapa branca”, que não ousam, optando por mostrar seus personagens apenas com virtudes, sem nuances. Consta que o próprio Michael Jordan participou, ainda que informalmente, na concepção da história que vemos nas telas. Certamente isto explica o clima de “filme de sessão da tarde”, sem grandes conflitos, o que resulta em uma obra meramente didática e burocrática. Jordan não aparece em cena, mas o filme retrata uma parte importante da sua vida. No elenco o destaque fica mesmo com Matt Damon e Viola Davis, ambos nada mais do que corretos, operando em modo piloto automático.

Como cineasta Ben Affleck se mostra como um realizador absolutamente convencional, sem nenhum traço autoral identificável que o tire da condição de aplicado operário padrão de Hollywood. Ainda que, vale lembrar, Argo tenha recebido o Oscar de Melhor Filme, em 2013, e Affleck premiado pela direção no Globo de Ouro e BAFTA.


Air – A História Por Trás do Logo é o mais longo comercial da Nike que você já viu, apresentado com toda pompa e circunstância como um primoroso case de marketing com lições que farão a alegria de mentores de carreira, coachs motivacionais e gestores corporativos.

Assista ao trailer: Air - A História Por Trás do Logo


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

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quarta-feira, 29 de março de 2023

O Urso do Pó Branco: sessão VHS

 


Em 1985 diversos pacotes de cocaína foram lançados de um avião de contrabandistas sobre uma floresta no estado da Georgia (EUA). Este episódio verídico, que recebeu grande atenção da imprensa à época, é apenas o ponto de partida para o longa O Urso do Pó Branco (Cocaine bear). A partir deste fato inusitado a imaginação dos roteiristas entra em ação para contar o que poderia ter ocorrido após um urso encontrar os pacotes da droga, cheirar o pó, ficar doidão e sair barbarizando todos os humanos que encontra pela frente. A história possui todos os elementos para uma história de horror, mas o que temos aqui é a mais escrachada das comédias, cujo urso protagonista mereceria sim o apelido de “Pablo Escobear”.


A direção da comédia é de Elizabeth Banks, atriz que está cada vez mais se consolidando como realizadora, cujo último trabalho atrás das câmeras havia sido a mal sucedida nova versão de As Panteras, em 2019, estrelada por Kristen Stewart. Com as “panteras” Elizabeth Banks não se deu bem nas bilheterias, mas com o urso “Pablo Escobear” ela acertou a mão. O filme tem sido recebido pela crítica e público como um divertido entretenimento, que desperta um gatilho nostálgico que nos remete às comédias malucas com a marca registrada dos anos 80.


O climão oitentista está presente nos 91 minutos de duração de O Urso do Pó Branco. É absolutamente intencional o desejo de Banks em recriar o estilo do humor meio non sense e escatológico das comédias de 35/40 anos atrás. Para tanto parece que a realizadora buscou inspiração direto na fonte, com realizadores como Sam Raimi (especialmente pela trilogia Evil Dead) e os irmão Coen dos primeiros filmes (antes de começarem a se levar a sérios demais). A propósito, Banks fez muito bem este tema de casa. Seu filme é suficientemente esperto e eficiente justamente por um descompromisso em problematizar e cair na tentação de criar camadas de complexidade para um enredo cuja premissa não passa de uma grande bobagem.


O Urso do Pó Branco é aquele tipo de filme que seria um sucesso nas prateleiras das finadas videolocadoras de VHS. Um pouco de violência, um pouco de sangue e vísceras, um tanto de humor pastelão, um punhado de personagens descartáveis e um urso chapadão botando pra quebrar. No elenco um destaque para a participação de Ray Liotta como um descontrolado mafioso de segundo escalão, seu último papel no cinema, antes do morrer em 2022.


Uma versão brazuca possível desta história poderia ser inspirada no chamado “Verão de lata”, que ocorreu em 1987, quando centenas de latas com maconha surgiram boiando no litoral do Rio de Janeiro. Se um urso cheira pó, um tubarão pode “fumar” maconha, não é verdade? Então, roteiristas, mãos à obra.

Assista ao trailer: O Urso do Pó Branco


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

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quarta-feira, 22 de março de 2023

John Wick 4 – Baba Yaga: insano, empolgante e divertido

 


E pensar que tudo começou por causa de um carro e um cachorro. A saga de John Wick chega ao seu quarto episódio dando sequência ao seu acerto de contas com o passado, ao mesmo tempo em que luta para não ser eliminado pelos vilões que encontra onde quer que ele apareça. Seja nas ruas de Nova Iorque ou nas areias do deserto, seja em Paris, Tóquio ou Berlim. Inimigos é o que não faltam na vida do icônico personagem interpretado por Keanu Reeves já há uma década.

No folclore russo a expressão Baba Yaga é o equivalente ao nosso brasileiríssimo “bicho-papão”. John Wick 4 – Baba Yaga chega ao circuito, mais uma vez com direção de Chad Stahelski, o que já é garantia, no mínimo, de uma unidade narrativa e artística, que ganha desdobramentos e expande o conceito original de maneira consistente a cada novo episódio da franquia.

Com exceção dos primeiros minutos do primeiro episódio da série, quando adotou um tom mais realista (com a devida ressalva do termo!), o fato é que a saga John Wick mergulha cada vez mais fundo, a cada novo filme, em uma espécie de universo paralelo e alegórico. Neste espaço-tempo onde transcorrem as tramas a ordem das coisas e as leis da física são particularmente distintas da realidade na qual nós, simples mortais, vivemos. Que não fiquemos surpresos se em algum episódio futuro da série o agente Nick Fury surgir em cena para convidar John Wick para integrar o time dos Vingadores no MCU.


Muito já se falou sobre o impacto que o primeiro John Wick, lançado em 2014, provocou nos filmes de ação. Em um passe de mágica tudo que se fazia até então no gênero ficou ultrapassado. O truque, se é que podemos falar assim, está na bem sucedida aposta do realizador Chad Stahelski (um ex-dublê) que ousou filmar as cenas de luta como grandes planos-sequência, com poucos cortes e recursos de edição. Algo semelhante aos filmes de Kung Fu dos anos 70 e aos filmes de ação asiáticos dos anos 80/90, que também adotam esta forma de filmar com poucos cortes. Muito diferente, por exemplo, dos filmes de Jason Bourne, celebrizados na primeira década dos anos 2000 justamente pela edição acelerada que fragmentava em excesso as cenas de luta.

A influência do estilo “John Wick” já está presente, por exemplo, nos filmes da franquia James Bond, que sempre foram muito espertos em captar o espírito do seu tempo em busca de renovação para manter a relevância. Neste formato de filmar lutas mais expositivas e menos descritivas, a essência do trabalho artístico deixa de ser uma tarefa do editor e passa a ser mais do coreógrafo. Ou seja, valoriza o elemento humano/orgânico (em desfavor do tecnológico), isto sem falar na maior exigência dos atores envolvidos. Que o diga o próprio Keanu Reeves. Consta que ele participa da quase totalidade das sequências, sem utilização de dublês.


Em John Wick 4 o plot básico segue inalterado: vingança. O nível da caçada pela cabeça de Wick, no entanto, está vários graus acima dos episódios anteriores, algo que beira ao épico, diríamos, sem medo do exagero. Mas o mundo não é perfeito. Ganhamos mais (muito mais) ação, porém a trama é frágil como nunca e se sustenta em um fio de história. Isto parece um lamento? Hum, creio que não. Não há uma reclamação aqui. Apenas uma constatação. O que John Wick 4 nos oferece em troca é o melhor dos mundos em termos de vitalidade, energia, ação ininterrupta e incríveis (e longas) sequências de ação. Keanu Reeves está mais veloz e mais furioso, como nunca o vimos antes, pelo menos até o próximo filme.


A já citada alegoria, sob a qual transcorrem todas as tramas de John Wick, atinge um ápice neste episódio quatro da franquia e reforça o caráter mitológico que se constrói na série. Fomos apresentados ao personagem John Wick quando ele já estava aposentado como assassino profissional. O retorno à ativa espelha, em certa medida, a Odisseia de Ulisses, que depois de anos e anos na guerra deseja apenas voltar para a tranquilidade do lar. Após violar as regras da Alta Cúpula, Wick precisa, no entanto, passar pela penitência, tal qual os Doze Trabalhos de Hércules. Nesta trajetória enfrenta desafios e provas, mas parece um trabalho sem fim, como o Mito de Sísifo que tenta em vão subir a montanha. A fantástica sequência da escadaria é uma excelente analogia desta provação.


John Wick 4 é um produto ousado e arriscado para um mercado cinematográfico que ainda busca recuperação após o período pandêmico, que restringiu o acesso às salas de cinema. Suas quase 3 horas de duração poderiam ser um veneno de bilheteria. Mas, creiam, os 169 minutos passam voando. JW4 é insano, exagerado, empolgante e divertido. Enfim, pacote completo. Que venha o 5.

Assista ao trailer: John Wick 4 – Baba Yaga


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

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