Contato: janeladatela@gmail.com / jghiorzi@gmail.com
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Cercada de polêmica e expectativa, a estreia de Guerra Civil (Civil War) marcou o recorde de bilheteria da produtora A24, responsável por outros grandes êxitos como A Bruxa, Moonlight, Midsommar e Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. O filme, dirigido por Alex Garland (de Ex-Machina e Aniquilação), se passa em um período indefinido e distópico de um futuro próximo – ou alternativo - dos Estados Unidos, que se encontra em meio a uma espécie de versão revisionista da Guerra de Secessão, esta sim real, ocorrida há pouco mais de um século e meio. O conflito bélico interno, entre estados da Federação, coloca americanos lutando contra americanos.
No centro desta guerra estão os quatro protagonistas, todos profissionais de imprensa que fazem a cobertura do conflito: Lee Smith (Kirsten Dunst), uma famosa fotógrafa de guerra, Joel (Wagner Moura), um jornalista, Sammy (Stephen Henderson), um jornalista veterano e Jessie (Cailee Spaeny), uma fotógrafa novata. O grupo parte para o foco dos combates, encarando uma perigosa viagem rumo à Washington D.C. na busca de uma entrevista exclusiva com o presidente norte-americano que se refugia na Casa Branca. No trajeto descobre a América profunda, destroçada por bombas e destruição.
O cinema já registrou em vários filmes as experiências de jornalistas no front de guerra, correndo riscos em busca da verdade dos fatos e da melhor fotografia, aquela que pode transformar corações e mentes. Dois bons exemplos: O Ano em que Vivemos em Perigo (1982), que recria os conflitos durante a queda do governo da Indonésia, com Mel Gibson vivendo um repórter australiano, e Os Gritos do Silêncio (1984), que se passa na Guerra do Camboja, com Sam Waterston interpretando o jornalista norte-americano Sydney Schanberg, que ganhou o prêmio Pulitzer pela cobertura da tomada de Phnom Penh. Curiosamente ambos filmes foram premiados com o Oscar de Coadjuvante: Linda Hunt (interpretando um papel masculino) e Haing S. Ngor.
O jornalismo e o fotojornalismo são a matéria prima de Guerra Civil. Particularmente o jornalismo da velha escola, que crê, como um sacerdócio, no poder da palavra e da imagem sem manipulação. Neste aspecto o filme de Alex Garland presta tributo a um tipo de jornalismo que parece estar com os dias contados. No mundo altamente digitalizado que vivemos soa um tanto anacrônico que justamente a personagem mais jovem da história utilize filmes antigos em uma máquina fotográfica analógica e encontre prazer no processo químico tradicional de revelação dos negativos. Uma pequena analogia com o próprio cinema que migrou do analógico para o digital com alguma dor para os saudosistas.
O núcleo dos personagens centrais de Guerra Civil se constitui como uma unidade dramática que reproduz a questão do etarismo, muito presente na sociedade contemporânea. Naquele grupo convivem três gerações que se complementam: o veterano em fim de carreira, os profissionais em plena atividade, no auge do reconhecimento e a novata inspirada pelos ídolos idealizados. Na interação entre eles, como pano de fundo, se apresenta o tema do legado, da preservação dos valores e da ética da profissão. Enquanto o mundo no entorno sucumbe, há ainda razões humanitárias pelas quais se deva lutar, mesmo que reste apenas um fio de esperança e crença no ser humano. O jornalismo raiz não morreu.
Guerra Civil se constitui no formato de jornada, e o fato que confirma esta configuração é a concepção do roteiro, construído como um road movie. Os elementos todos do filme de estrada estão lá: o deslocamento – físico e figurado -, o foco em personagens, a narrativa fragmentada e episódica, uma unidade dramática confinada e a transformação da perspectiva dos protagonistas.
Guerra Civil é um ensaio estético e moral sobre a natureza das guerras. O conflito que retrata é fictício, mas o desconforto que provoca é real. Poderoso e espetacular, o filme de Alex Garland é, a um só tempo, minimalista e grandioso.
Assista ao trailer: Guerra Civil
Jorge Ghiorzi
Membro da ACCIRS – Associação de Críticos de Cinema
do Rio Grande do Sul
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Por volta de 2010 surgiu, aparentemente pela primeira vez na Rússia, um desafio no formato de jogo virtual, chamado Baleia Azul, que rapidamente se popularizou entre os adolescentes. O propósito do “jogo” para os participantes era cumprir diversas etapas de desafios, todos relacionados a atos de automutilação e jogos de tarefas com atividades arriscadas e perigosas, com proezas que colocavam a vida dos jovens em risco. Muitos morreram por desafios que deram errado, ou induções ao suicídio. Um tema pesado, que circulou ou eventualmente ainda circula, pelos ambientes mais baixos e sórdidos da internet.
Rapidamente o desafio da Baleia Azul foi aproveitado para a produção de filmes que pretenderam reproduzir este ambiente de horror. O primeiro longa de larga circulação sobre o jogo foi uma produção egípcia, lançada ainda em 2010. Agora, em 2024, chegou a vez de uma produção russa (terra natal do jogo) tratar do tema. O filme em questão apropriadamente se chama O Jogo da Morte. Na primeira impressão, parece apenas um título genérico para um filme de terror. Mas, levando-se em conta o assunto do qual trata, o título O Jogo da Morte está mais do que apropriado.
No longa, dirigido pela cineasta russa Anna Zaytseva, a irmã da protagonista Dana comete suicídio ao se jogar na frente de um trem. Em busca de respostas que explicassem a tragédia, Dana decide vasculhar o computador da irmã e descobre que ela estava envolvida em uma espécie de brincadeira na qual era chantageada e obrigada a tomar atitudes drásticas, como se mutilar física e psicologicamente, entre outras tarefas. A partir dessa descoberta Dana entra também no jogo para descobrir a identidade do responsável chantagista que provoca as mortes dos participantes e impedir que ele faça novas vítimas.
O efeito voyeurístico proporcionado pela exposição de conversas privadas na internet funciona bem no primeiro ato do longa. Então passa a ser um tanto redundante aborrecido pela recorrência. Até tornar-se absolutamente repetitivo e falsamente verossímil no terceiro ato. Ao abusar e apostar todas as fichas em uma narrativa 100% focada no ambiente virtual, apresentando uma sucessão interminável de chats, conversas de texto e bate-papos on line, O Jogo da Morte força a mão para construir um suspense que nunca convence na jornada investigativa da protagonista pelo submundo da deep web.
Por fim, o que resta de O Jogo da Morte é a certeza de estarmos diante de um thriller de suspense e terror que busca apenas e tão somente o sensacionalismo barato. Não que o longa pretenda passar a ideia de estarmos diante de um registro verídico de caso do jogo da Baleia Azul. Ainda assim, para efeito meramente comparativo, podemos definir O Jogo da Morte como uma “versão” rasa do que poderia ser uma encenação pasteurizada de um “snuff film”, versão 2.0. Então fica a dica: ao escolher um filme chamado O Jogo da Morte para assistir, escolha o original, homônimo, estrelado por Bruce Lee, em 1978.
Assista ao trailer: O Jogo da Morte
Jorge Ghiorzi
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A escritora de romances de espionagem, Elly Conway (Bryce Dallas Howard), conta, em uma série de livros de sucesso, as aventuras do agente secreto Argylle (Henry Cavill) em perigosas missões contra um sindicato global de espionagem chamado “Divisão”. As tramas criadas pela imaginativa autora começam a atrair a atenção de agências reais de espionagem, pois refletem e antecipam com muita precisão ações verídicas. Então, seu mundo vira de pernas pro ar quando a linha entre o real e a ficção começa a ficar bem confusa e sua vida passa a correr risco.
A premissa não é original. Já vimos, com resultados distintos, algo semelhante em filmes como O Magnífico (1973) com Jean-Paul Belmondo, Tudo Por Uma Esmeralda (1984) com Kathleen Turner e o recente Cidade Perdida (2022) com Sandra Bullock. Usualmente, e em Argylle – O Superespião (Argylle) não é diferente, a figura da escritora é sempre uma personagem reclusa, fragilizada e emocionalmente carente que vira o jogo usando como chave as próprias aventuras que cria como ficção. Uma espécie de terapia radical que coloca à prova todos seus medos e receios diante da vida.
Assista ao trailer: Argylle – O Superespião
Jorge Ghiorzi
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Assista ao trailer: Folhas de Outono
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O terror Mergulho Noturno (Night swim), dirigido por Bryce McGuire, se constrói a partir do medo ancestral da água, fonte de benesses para o ser humano na mesma medida oposta em que, eventualmente, é causador de tragédias climáticas. O medo provém não do que enxergarmos sobre sua superfície, mas do que poderia haver de oculto em águas profundas.
Misto de terror e suspense, o longa foi inspirado em um curta-metragem de quatro minutos realizado em 2014 pelo mesmo realizador Bryce McGuire em parceria com Rod Blackhurst (que no longa assina apenas como coroteirista). Portanto, estamos diante de uma trama estendida, que preserva o conceito original da existência de uma “piscina assassina”, mas agrega sem muita convicção uma mitologia maligna que tenta minimamente dar sentido a um enredo que se sustenta precariamente.
A trama de Mergulho Noturno segue passo a passo o formulismo dos filmes de terror mais recentes. A evolução dos recursos de computação digital resolveu muitos problemas práticos das produções. Virtualmente qualquer solução estética e visual é possível. Essa é a parte boa do processo. A face negativa é a acomodação criativa dos realizadores que costumeiramente tornam-se explícitos demais deixando pouco espaço para a imaginação dos espectadores completarem as lacunas. Tudo é entregue pronto e mastigado. A dificuldade impõe soluções criativas e artísticas, em oposição, recursos ilimitados conduzem a um impasse criativo. Este sim é o verdadeiro “Mal” dos filmes de terror das últimas duas décadas.
Assista ao trailer: Mergulho Noturno
Jorge Ghiorzi
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O final da temporada cinematográfica de 2023 e o início da temporada 2024 foi marcado pelo lançamento de duas cinebiografias de figuras ilustres da música norte-americana. O maestro e compositor Leonard Bernstein, autor das composições do musical West Side Story (adaptada para o cinema com o título de Amor Sublime Amor, no Brasil), e Priscilla Presley, ex-esposa de Elvis, chegaram aos cinemas em longas-metragens onde o único ponto comum é o universo da música. Pois as abordagens e resultados não poderiam ser mais distintos.
Maestro se apresenta como um filme de flagrantes pretensões autorais, um verdadeiro tour de force de Bradley Cooper, aqui fazendo dupla jornada como ator e diretor, em sua segunda obra como realizador. Já Priscilla, que traz na direção a assinatura de Sofia Coppola, mostra episódios do atribulado relacionamento de Priscilla e Elvis Presley, desde o primeiro encontro até o rompimento.
Há, por definição, uma sensível diferença entre os dois filmes. Maestro se apresenta menos como uma cinebiografia e mais como um perfil distanciado e interpretativo do artista, onde o papel de sua esposa ganha um genuíno papel de protagonismo (interpretado magnificamente por Carey Mulligan). Por sua vez, o filme de Sofia Coppola tem uma proposta mais, digamos, convencional, pois desenvolve a trajetória da protagonista de forma mais efetivamente biográfica, quase episódica, mas sempre com um olhar comprometido, afetuoso e compreensivo, revelador da identificação feminina e feminista.
Curiosamente, as duas obras, oriundas do universo da música, prescindem absolutamente da música para narrar suas histórias. As composições clássicas de Leonard Bernstein e os rocks irresistíveis de Elvis Presley são praticamente sonegados ao público, pois não passam de coadjuvantes com pouco tempo de tela. Em poucas e pontuais sequências marcam presença, mas longe, muito longe, de saciar a expectativa da audiência. O que, convenhamos, dado o tamanho dos artistas, é uma frustração inicial. Faz falta? Faz. Compromete a experiência? Absolutamente não.
Assista ao trailer: Maestro e Priscilla
Jorge Ghiorzi
Membro da ACCIRS – Associação de
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