E pensar que tudo
começou por causa de um carro e um cachorro. A saga de John Wick chega ao seu
quarto episódio dando sequência ao seu acerto de contas com o passado, ao mesmo
tempo em que luta para não ser eliminado pelos vilões que encontra onde quer que
ele apareça. Seja nas ruas de Nova Iorque ou nas areias do deserto, seja em
Paris, Tóquio ou Berlim. Inimigos é o que não faltam na vida do icônico
personagem interpretado por Keanu Reeves já há uma década.
No folclore russo
a expressão Baba Yaga é o equivalente ao nosso brasileiríssimo “bicho-papão”. John
Wick 4 – Baba Yaga chega ao circuito, mais uma vez com direção de Chad Stahelski,
o que já é garantia, no mínimo, de uma unidade narrativa e artística, que ganha
desdobramentos e expande o conceito original de maneira consistente a cada novo
episódio da franquia.
Com exceção dos
primeiros minutos do primeiro episódio da série, quando adotou um tom mais
realista (com a devida ressalva do termo!), o fato é que a saga John Wick mergulha cada vez mais fundo,
a cada novo filme, em uma espécie de universo paralelo e alegórico. Neste
espaço-tempo onde transcorrem as tramas a ordem das coisas e as leis da física são
particularmente distintas da realidade na qual nós, simples mortais, vivemos. Que
não fiquemos surpresos se em algum episódio futuro da série o agente Nick Fury
surgir em cena para convidar John Wick para integrar o time dos Vingadores no MCU.
Muito já se falou
sobre o impacto que o primeiro John Wick,
lançado em 2014, provocou nos filmes de ação. Em um passe de mágica tudo que se
fazia até então no gênero ficou ultrapassado. O truque, se é que podemos falar
assim, está na bem sucedida aposta do realizador Chad Stahelski (um ex-dublê)
que ousou filmar as cenas de luta como grandes planos-sequência, com poucos
cortes e recursos de edição. Algo semelhante aos filmes de Kung Fu dos anos 70
e aos filmes de ação asiáticos dos anos 80/90, que também adotam esta forma de
filmar com poucos cortes. Muito diferente, por exemplo, dos filmes de Jason
Bourne, celebrizados na primeira década dos anos 2000 justamente pela edição
acelerada que fragmentava em excesso as cenas de luta.
A influência do
estilo “John Wick” já está presente, por exemplo, nos filmes da franquia James
Bond, que sempre foram muito espertos em captar o espírito do seu tempo em busca
de renovação para manter a relevância. Neste formato de filmar lutas mais expositivas
e menos descritivas, a essência do trabalho artístico deixa de ser uma tarefa
do editor e passa a ser mais do coreógrafo. Ou seja, valoriza o elemento humano/orgânico
(em desfavor do tecnológico), isto sem falar na maior exigência dos atores
envolvidos. Que o diga o próprio Keanu Reeves. Consta que ele participa da
quase totalidade das sequências, sem utilização de dublês.
Em John Wick 4 o plot básico segue inalterado: vingança. O nível da caçada pela
cabeça de Wick, no entanto, está vários graus acima dos episódios anteriores,
algo que beira ao épico, diríamos, sem medo do exagero. Mas o mundo não é
perfeito. Ganhamos mais (muito mais) ação, porém a trama é frágil como nunca e
se sustenta em um fio de história. Isto parece um lamento? Hum, creio que não.
Não há uma reclamação aqui. Apenas uma constatação. O que John Wick 4 nos oferece em troca é o melhor dos mundos em termos de
vitalidade, energia, ação ininterrupta e incríveis (e longas) sequências de
ação. Keanu Reeves está mais veloz e mais furioso, como nunca o vimos antes,
pelo menos até o próximo filme.
A já citada
alegoria, sob a qual transcorrem todas as tramas de John Wick, atinge um ápice
neste episódio quatro da franquia e reforça o caráter mitológico que se
constrói na série. Fomos apresentados ao personagem John Wick quando ele já
estava aposentado como assassino profissional. O retorno à ativa espelha, em
certa medida, a Odisseia de Ulisses, que depois de anos e anos na guerra deseja
apenas voltar para a tranquilidade do lar. Após violar as regras da Alta Cúpula,
Wick precisa, no entanto, passar pela penitência, tal qual os Doze Trabalhos de
Hércules. Nesta trajetória enfrenta desafios e provas, mas parece um trabalho
sem fim, como o Mito de Sísifo que tenta em vão subir a montanha. A fantástica
sequência da escadaria é uma excelente analogia desta provação.
John Wick 4 é um produto ousado e arriscado para
um mercado cinematográfico que ainda busca recuperação após o período pandêmico,
que restringiu o acesso às salas de cinema. Suas quase 3 horas de duração
poderiam ser um veneno de bilheteria. Mas, creiam, os 169 minutos passam
voando. JW4 é insano, exagerado, empolgante e divertido. Enfim, pacote completo.
Que venha o 5.
Assista ao trailer: John Wick 4 – Baba Yaga
Jorge Ghiorzi /
Membro da ACCIRS
janeladatela@gmail.com