No dia 4 de
outubro de 1957 a União Soviética lançou ao espaço o Sputnik, primeiro satélite
espacial. Aquele momento, em plena Guerra Fria, marcou o início da corrida
espacial entre os Estados Unidos e URSS. Além do desenvolvimento dos avanços
tecnológicos, o que realmente estava em jogo era a supremacia ideológica entre
os dois blocos que dominavam o planeta. É neste contexto histórico que
transcorre a comédia Como Vender a Lua (Fly me to the moon, 2024)
dirigida por Greg Berlanti, de Com Amor, Simon (2018), e produtor de
muitas séries de TV como Você, Titãs, Flash, Superman e
Lois, Riverdale, e o recente longa Atlas, da Netflix,
estrelado por Jennifer Lopez.
Inspirada em
eventos reais, como a missão espacial que levou o homem à Lua em 1969 (antes do
final da década, conforme discurso célebre do presidente John F. Kennedy, em
1962), a trama ficcional de Como Vender a Lua traz a especialista em
Relações Públicas e Marketing, Kelly Jones (Scarlett Johansson), que é
convocada pela Casa Branca para consertar a imagem pública da NASA, que vivia
um período de descrença popular e sob constante risco do corte de verbas do
Congresso. A missão de Kelly é “vender” a missão Apollo como algo de valor afetivo
para os cidadãos norte-americanos. A Lua é pop, portanto, deveria ser consumida
como qualquer produto mercadológico, tipo cereais, automóveis, relógios ou
sucos. Tudo seria perfeito, não fosse a descrença do diretor de lançamento da
missão Apollo 11, Cole Davis (Channing Tatum), contrário aos apelos da
publicidade. A missão de Kelly, no entanto, é tão importante que ela é
instruída a encenar em estúdio, secretamente, um pouso falso na Lua para ser
utilizado como plano B, caso o pouso real sofresse alguma falha. O importante
era manter a moral da nação em alta.
Aquele final de
década de 60 era um período que mesclava cinismo e pessimismo, além de
fortemente marcado pelos efeitos da ressaca ética e moral da Guerra do Vietnã.
A criação de narrativas, neste contexto, é uma arma midiática poderosa para a
conquista das consciências. A história contada vale mais do que o fato real.
Prática bastante recorrente nestes tempos digitais, não é verdade? Como bem diz
a ardilosa marqueteira encarnada por Scarlett Johansson, a publicidade é a
maneira lícita, portanto aceitável, de contar mentiras. Este é o papel
eticamente questionável ao qual sua personagem se submete. Inicialmente com
orgulho, para logo adiante se transformar em culpa e arrependimento em sua
jornada moral.
Como Vender a Lua inicia no tom de
guerra dos sexos, contrapondo homens e mulheres, com seus vícios e virtudes.
Mas esta não é propriamente agenda do filme. O romance e a comédia logo entram
em cena, assumem o controle da narrativa e dão o tom definitivo. O tom farsesco
e dissimulado da personagem de Scarlett Johansson domina o embate em oposição à
figura contida e emocionalmente fragilizada – por episódio traumático do
passado – do diretor da NASA interpretado por Channing Tatum.
Há mais de 50
anos circula uma teoria da conspiração que afirma que o pouso na superfície
lunar é fake, pois teria sido simulada em estúdio, com suposta direção de
Stanley Kubrick. Esta teoria já foi tratada de maneira dramática em Capricórnio
Um (1977). Mas aqui a pegada é outra. É tratada como farsa, inclusive
propondo uma resolução bastante criativa e divertida para o desfecho do
episódio. Por sua vez, em termos de produção, as sequências de lançamento do
foguete Apollo 11 e da tensão na sala de controle na comédia Como Vender a
Lua não fazem feio a nenhuma reconstituição já vista em produções
dramáticas que contaram aquele período histórico da conquista espacial.
Na posição de
produtora e protagonista do longa, Scarlett Johansson dá conta do papel com
graça e desenvoltura, dando mostras que também funciona satisfatoriamente em
comédias. Seu parceiro de elenco, Channing Tatum, por sua vez, está mais
contido em cena, distante dos personagens extrovertidos e confiantes que
costuma interpretar com mais frequência. Em benefício de Como Vender a Lua
vale ressaltar que funciona muito bem a química entre Scarlett e Channing. O
contraponto protagonista do casal romântico está na figura do “homem de preto”,
Moe Berkus, um representante misterioso dos subterrâneos da Casa Branca,
interpretado pelo sempre competente Woody Harrelson, com um cinismo em potência
máxima.
Sem avançar em
demasia para uma discussão entre as noções de verdade e mentira na grande
mídia, Como Vender a Lua trata o assunto com a leveza esperada por uma
comédia destinada às grandes massas, particularmente as audiências adultas. É
uma grande brincadeira contada sobre um pano de fundo de eventos verídicos,
inclusive abrindo espaço para uma reinterpretação maliciosa da teoria da
conspiração que acompanha a epopeia da chega do homem na Lua em 1969.
O longa de Greg
Berlanti apresenta, aqui e ali, um pouco de crítica aos apelos do marketing agressivo,
ao poder das grandes corporações, na salvaguarda dos poderosos no poder, mas
efetivamente não é esta a proposta e muito menos o desejo do longa-metragem.
Fala mais alto o puro e autêntico entretenimento. Como Vender a Lua é
leve, descomprometido e despretensioso. Uma comédia que remete, com a devida
vênia, às produções de um Frank Capra, por exemplo, o diretor que melhor representou
o sonho americano em suas comédias dos anos 30 e 40.
Assista ao trailer: Como Vender a Lua
Jorge Ghiorzi
Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de
Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do
Sul)
Contato: janeladatela@gmail.com / jghiorzi@gmail.com