por Alexandre Derlam
Barfly – Condenados Pelo Vício
- Mas o
que tu quer com isso?
Aquela pergunta direta, objetiva e nada insinuante
foi feita por meu irmão.
Se bem me lembro, lá no começo dos anos 90. E
o alvo do questionamento era o meu interesse e a verdadeira idolatria pelo
filme Barfly. Houve um ano em que dediquei boa parte de meu tempo no feriado
entre natal e ano novo, vendo e revendo trechos do filme. Sobre o que vou
falar agora, eu dedico aos mais experientes. Eu tinha uma daquelas fitas VHS e
havia conseguido gravar o filme completo da televisão com o vídeo cassete. Além
disso, havia também as locadoras. E se podia locar a fita original. Com mais
qualidade. Era o que tínhamos e resolvia.
Agora se você ainda não conhece ou não está
lembrando de Barfly – Condenados Pelo Vício (1987), a direção é do
francês Barbet Schroeder, protagonizado
por Mickey Rourke e Faye Dunaway, com produção de Francis Ford Copolla e
roteiro assinado por Charles Bukowski. Saiba que Barfly é o filme que escolhi para dar início a essa resenha mensal aqui
no espaço “Os Menores Filmes da Minha Vida”. E sobram motivos para essa
escolha. Mas calma. Antes que alguém possa entender mal, eu desejo esclarecer o
que motivou o nome da sessão.
Escolhi o termo “menores” para este espaço
porque vamos tratar de filmes que jamais serão óbvios ou desinteressantes. Mas
sim em sua grande parte desconhecidos, ou desvalorizados ou ainda considerados
malditos, herméticos... O que for. Outra coisa; e que fique bem clara: jamais um
filme com orçamento de três milhões de dólares poderá ser taxado como menor. E
já falando em qualidade: os diálogos e pensamentos reverberam com uma potência
e sonoridade extrema e convincente, vinda das ruas. Fiel ao estilo
inconfundível de Bukowski.
- Algumas
pessoas nunca enlouquecem. Que vida horrível eles devem levar? Nós todos
estamos em uma espécie de inferno. E o hospício é o único lugar onde as pessoas
sabem que estão num inferno.
Sobre o filme. Iniciando pela sua atmosfera
marginal, obscena sofrida e doida. Considerando todo seu conjunto de
personagens, lugares, situações, todos os seus tipos estranhos, as ruas,
bêbados, prostitutas, vadios, transexuais, desiludidos e derrotados. Toda
aquela gente perdida. Ou como Henry Chinaski - escritor, alcoólatra, amante de
música clássica, alter ego de Charles Bukowski, nos lembra:
- Qualquer
um pode ser sóbrio. Mas para ser um bêbado é preciso talento e persistência.
Afinal ninguém sofre como os pobres.
Agora vamos à história. Logo após uma câmera
em movimento, sair das ruas e adentrar o interior de um bar vazio, com um
barman entretetido lendo um jornal, surge um trôpego Henry, assim de supetão,
em meio a uma estridente briga nos fundos. Cuspindo sangue pela boca. Com
expressão raivosa e letal.
- Implorar
pra você seria como chupar um pinto pela eternidade!
Palavras praticamente vomitadas por ele em
resposta ao seu adversário. Eddie com quem travará duelos por toda a película. Alguns
socos e tropeções depois e lá está Henry caído e acabado. Na sarjeta. E como
ele combina com aquele lugar. Pronto. Temos tudo que precisamos para o que virá
a seguir. Vamos acompanhar Henry durante as noites bebendo e arrumando briga
por bares de Los Angeles. Em uma delas, ele conhece Wanda e logo vão morar
juntos. Após traições e bebedeiras, os dois acabam se acertando.
Se Rourke personifica com brilho, carisma e
na dose certa para aquela canastrice contagiante de escritor maldito, Faye
Dunaway é dona de um timming preciso para compor Wanda. Depressiva, insegura,
amarga e reflexiva, ela dá o tom perfeito para eles formarem um par e tanto.
Henry atua com movimentos, gestos, presença física e caretas, ela concentra sua
força dramática no olhar, na atitude conseguindo aliar drama e comédia em uma
sincronização exemplar. Ela só precisa de um olhar, uma baforada de cigarro
para nos ganhar. Mickey Rourke cresce nas cenas dos poemas e versos. Em minha
opinião, estes são os melhores momentos da sua atuação. E há de se destacar
também o texto e a direção. O velho Buck caprichou nos diálogos. E a condução
de Barbet Schroeder vai do lirismo ao delírio. Obtendo um bom conjunto como
resultado final. O jogo e a utilização da trilha sonora colabora muito para as
nossas sensações e experiências. Ouvimos trilhas deliciosas de jazz, blues e
música clássica através de doses bem generosas. Fantasias alcoólicas se
misturam a histórias rudes e ríspidas. O filme consegue apresentar até delírios
cômicos sem perder uma indisfarçável ternura pelos excluídos e perdedores.
O que mais atrai na obra é justamente a
presença constante de um humor desconcertante, repleto por desolação, tomado de
cinismo autodefensivo, de egoísmo, senso de ridículo e irreverente compaixão. Barfly vale cada segundo de sua
projeção. Justamente por conseguir obter e revelar altas doses de humanidade e
poesia. Presente em quartos imundos, bares enfumaçados e insanidade corrosiva.
Uma jornada original e maluca pelo universo caótico e muito real do velho Buck.
Há diálogos memoráveis e a linguagem reúne violência ao captar as agruras e
devaneios de perdedores e excluídos. Uma espécie de aura iluminada por
transgressão, lirismo e loucura. Um copo bem cheio. Que jamais se esvazia.